Réquiem para um sonho | Boqnews

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26 DE MARÇO DE 2014

Réquiem para um sonho

Por: Da Redação

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Assistir ao filme “Réquiem para um sonho” é como ser voluntário para preparar todos os detalhes de um funeral, ou melhor, acompanhar as quatro vidas que serão perdidas e colocadas dentro de um caixão. Não digo o físico, geralmente de madeira, mas um esquife revestido de liberdade e moral. Não vai faltar música, como o título nos adianta, dolorosa e impactante, quando acompanhada de determinadas cenas. É um funeral onde o telespectador é uma espécie de coveiro, que deve enterrar as personagens ao som de um pesadelo.

A produção, lançada em 2000, foi dirigida pelo excelente diretor americano de dramas Darren Aronofsky, que também já assinou outros reconhecidos trabalhos, como “O Lutador” (2008) e “Cisne Negro” (2010).  Recentemente, terminou as filmagens de “Noé”, protagonizado pelo ator Russell Crowe. Aronofsky colaborou ao lado do escritor Hubert Selby Jr. na elaboração do roteiro adaptado do livro homônimo, escrito pelo próprio Selby.

O eficiente elenco é formado por Jared Leto, ganhador do Oscar 2014 de Melhor Ator Coadjuvante pelo seu trabalho em “Clube de Compras Dallas” (2013), Jennifer Connely, que foi vencedora de um Oscar, um Globo de Ouro e um BAFTA pelo seu papel secundário em “Uma Mente Brilhante” (2002), Ellen Burstyn, ganhadora, dentre outros prêmios, do Oscar de Melhor Atriz em “Alice Não Mora Mais Aqui” (1975) – ela já trabalhou com Aronofsky no filme “Fonte da Vida” (2006) – e Marlon Wayans, que interpretou o melhor personagem da sua carreira no mais significativo filme em que já participou.

A vida para Sara Goldfarb (Burstyn), uma mulher de meia idade e no auge dos cabelos brancos, é convenientemente pacata, mas de uma insuportável morosidade desde que perdeu o marido. Ela é mãe de Harry (Leto), viciado em heroína, assim como a namorada Marion Silver (Connely) e o amigo Tyrone (Wayans). Os quatro personagens são inseridos num universo utópico proporcionado pelas irrealidades de uma vida cheia de brilhos e satisfação, sensações estas que são proporcionadas por diferentes tipos de drogas. No caso da personagem Goldfarb, a droga entra pela porta da frente. Classificada como lícita, a anfetamina, usada para métodos de emagrecimento, transforma a vida da senhora numa situação irreversível de dor, loucura e agonia.

A televisão é um palco de sucesso e momentos perfeitos. Nos programas, ninguém chora. É o universo cor de rosa que entra na mente dos mais desavisados e propicia sonhos inatingíveis. Ouso em dizer que a TV, o eletroeletrônico, mesmo, para mim, é o protagonista irremediável desta história. Ela acompanha, do começo ao fim, as transformações dos personagens. E a cena onde o mundo roteirizado do programa de prêmios mescla-se com a realidade de Sara pode ser um dos momentos que mais exemplificam esta interpretação.

Outro detalhe interessante de se observar é a delicadeza e sensibilidade que cada personagem vai mostrando em suas falas. Há medo, insegurança e desconforto com as atitudes que atualmente os move. Numa determinada cena, Harry e Silver estão deitados numa cama e, por uma sacada que inspira qualquer jovem apaixonado por cinema, o momento é construído pelas câmeras como dois momentos distintos. Uma linha separa os dois corpos deitados, um ao lado do outro. Daí, você pensa, por quê? Para mim, eles estão ali, sob efeitos de drogas, portanto, estão distantes, muito distantes. As belas palavras que eles proferem não serão lembradas na próxima crise de abstinência.

O mesmo podemos dizer que acontece com Sara, quando esta olha para o retrato onde o filho está se formando na faculdade e lá está ela, ao lado também do marido, feliz, uma mulher magra e atraente, vestida num perfeito e reluzente vestido vermelho. Ela estava distante daquilo, e a conversa que tem com o filho na cena da cozinha mostra o quanto ela precisa voltar a sorrir, nem que seja sob efeito dos medicamentos que começou a tomar. Com Tyrone não é diferente, as constantes lembranças do pequeno garoto negro no colo da mãe, que o protege das coisas ruins do mundo, é algo que mostra fazer falta e que o deixa com medo, mostrando que ele está sozinho no mundo. Infelizmente, o fim da figura materna deu lugar para outro tipo de heroína.

O longa metragem vai além de querer mostrar viciados em drogas e seus destinos. Para mim, mostra na verdade a submissão que podemos ter ao nos depararmos com nossos próprios vícios diante do modelo perfeito que a sociedade espera de seu cidadão. Ou melhor, o quê somos capazes de sacrificar para atingirmos um estado de espírito que julgamos ser o ideal para vivermos melhor e com satisfação?

Em quais situações nos submetemos ao tentar ser aceitos em determinados círculos? A história é um emaranhado de questões de natureza humana diante das possibilidades de burlar as regras moralistas e opressivas da existência entre o mundo real, onde pessoas sofrem, e o manipulado, geralmente o apresentado em programas de televisão.

A cama, símbolo subjetivo de descanso, paz e amor, transforma-se no fim do túnel. O que deveria proporcionar a tranquilidade, na verdade, é o leito da morte e da tortura. A sequência de imagens no último ato do filme faz questão que observemos isso. Todos os quatro, deitados, cada um colhendo sua própria – e única – consequência agonizante ao descobrir o quão horrível é a realidade do mundo colorido que eles tanto sonhavam.

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