Numa Santos ainda jovem, o mar parecia mais próximo das ruas e o porto, um grande coração pulsando entre o sal e o vapor.
Era tempo de travessias, de malas e promessas. Ali, em 1912, ergueu-se um edifício de tijolos claros e janelas altas.
Chamaram-no Hospedaria dos Imigrantes. Nicolau Spagnolo o desenhou para acolher quem chegava de longe, trazendo na bagagem o idioma da esperança.
Mas quando ficou pronto, o destino já havia mudado. Os imigrantes seguiam direto para São Paulo e o prédio nasceu com o coração vazio.
Vieram armazéns, cooperativas, café, contêineres. O que fora criado para abrigar pessoas virou abrigo de cargas.
Em 1998, o tombamento o reconheceu como patrimônio, mas decreto algum detém o tempo.
O sal subiu pelas juntas, o vento aprendeu o caminho entre as frestas e o abandono se fez hóspede permanente.
Mesmo assim, a cidade nunca o esqueceu. Pesquisadores e arquitetos o transformaram em objeto de estudo e afeto.
Mapearam sua estrutura, resgataram memórias, imaginaram futuros. Surgiram projetos de reuso, propostas acadêmicas e ocupações culturais.
Mais recentemente, o edifício voltou a ser pensado como espaço multifuncional com habitação, comércio e cultura.
Hoje, discute-se seu futuro com mais maturidade. Fala-se em cultura, habitação e reuso, mas também em pertencimento.
O desafio está em equilibrar custos, usos e acessibilidade para tornar viável o restauro.
Não é apenas sobre planilhas, é sobre o que o prédio ainda representa para a cidade que o gerou.
Reabilitar não é voltar atrás, é reencontrar sentido.
A cidade que preserva aprende a ouvir o tempo.
Reocupar não é só construir, é curar.
Os técnicos medem fissuras, os gestores planejam verbas, os arquitetos desenham soluções.
Mas o que o prédio pede é mais simples e mais difícil: vontade pública, escuta e cuidado.
Se ruir, perderemos não só um bem tombado, mas um pedaço da alma urbana que resiste no porto.
As janelas ainda olham o mar. Quando o sol as toca, o tijolo parece aquecer por dentro, como quem ensaia o primeiro respiro depois de um longo inverno.
Talvez este seja o instante em que o tempo cumpra o que prometeu: devolver à cidade a coragem de sonhar com ela mesma.
Há lugares que não esperam reforma, esperam reencontro.
Porque há edifícios que guardam o futuro, e há cidades que só renascem quando decidem habitar, outra vez, o seu próprio passado.

Alessandro Lopes é arquiteto, mestre e pesquisador em Cidades Criativas e Inteligentes. Consultor Instituto MultipliCidades
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