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22 DE OUTUBRO DE 2010

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Ídolo para sempre

O esporte é um filão com enorme peso, qualitativo e quantitativo. Números do jornal britânico Financial Times indicam que o PIB da economia desportiva ultrapassa os US$ 100 bilhões (R$ 180 bilhões), valor esse referente unicamente a transações ligadas diretamente à prática esportiva. Dentro disso, seu caráter imagético, propagado por intermédio de atributos como juventude, […]

Por: Da Redação

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O esporte é um filão com enorme peso, qualitativo e quantitativo. Números do jornal britânico Financial Times indicam que o PIB da economia desportiva ultrapassa os US$ 100 bilhões (R$ 180 bilhões), valor esse referente unicamente a transações ligadas diretamente à prática esportiva. Dentro disso, seu caráter imagético, propagado por intermédio de atributos como juventude, superação e vitória, resultam em um verdadeiro prato cheio para a publicidade, que à medida que os anos passaram, aprimorou a aproximação entre esportistas – que são os símbolos dessas características – com segmentos que, às vezes, nada tem a ver diretamente com o esporte, mas ganham nome com veiculando suas imagens a de ídolos internacionais.


E quando o assunto é imagem e esporte, é impossível não associar o assunto a Edson Arantes do Nascimento, tal qual é impensável não lembrar de Pelé quando se fala em imagem. O ídolo máximo do esporte brasileiro, que neste sábado (23) completa significativos 70 anos de vida, é também o nome mais famoso do desporto mundial, além de Atleta do Século, como confirmou o jornal L’Equipe, na década de 80, e o Comitê Olímpico Internacional, no fim dos anos 90.


E além do craque que foi dentro de campo, Pelé se tornou também uma referência fora dele, mantendo quase que de maneira inabalável uma imagem que o mundo todo admira e da qual quer compartilhar.
O impacto disso reflete no valor de mercado de aparições do maior jogador de futebol de todos os tempos. De acordo com o periódico italiano Corriere Dello Sport, Pelé ganha mais de R$ 30 milhões anuais só com a exposição de sua imagem, seja em eventos, comerciais ou palestras. Números que jogam poeira nos craques mais midiáticos da atualidade, como o português Cristiano Ronaldo, o argentino Lionel Messi ou o sueco Zlatan Ibrahimovic, que estão em plena atividade, enquanto o Rei do Futebol já parou há mais de 30 anos.


O curioso é que Pelé parece que surgiu “na hora e lugar certos” para ter a imagem que tem. Coincidentemente ou não, o eterno camisa 10 do Santos apareceu para o futebol no momento em que os meios de comunicação viviam sua primeira expansão, com a chegada da televisão.


“O Pelé surgiu com a globalização, com a difusão da mídia, quando as fronteiras do mundo começaram a ficar menores. Ele foi uma das primeiras personalidades que ganharam alcance global, que nasceu e cresceu com a mídia. Desde que surgiu a comunicação como conhecemos, existe o Pelé”, destaca o jornalista e consultor especializado em imagem, Mário Rosa.


O momento quando o Rei do Futebol apareceu também coincidiu, de acordo com Rosa, com uma ocasião em que o Brasil ainda estava longe de ter a representatividade internacional de hoje, inclusive no futebol. Além disso, paralelamente, o preconceito racial com os negros, hoje ainda latente, estava em maior evidência, inclusive em virtude do regime do Apartheid, na África do Sul, que iniciava em seus primeiros anos. Para o consultor, o sucesso de Pelé acabou sendo também uma universalização da vitória de um negro de um país pobre em âmbito mundial. Um sinal de que o terceiro mundo tinha vez no planeta.


“O Pelé era uma representação dos pobres do Brasil e do mundo. Mostrou que esses pobres tinham condição de ascender socialmente, algo que é sensivelmente novo na história do mundo, seguindo o exemplo dele. No imaginário mundial, Pelé era a face de um mundo pobre, mas que podia ser vencedor”, explica o especialista, apontando também que a ida dele aos Estados Unidos, na década de 70, foi decisiva para a expansão dessa imagem. “Ele foi bem sucedido lá (nos EUA), na sede do império internacional. Um negro, de um país pobre, que fez sucesso em Nova York. É uma plataforma de imagem, de marketing, muito poderosa”, avalia.


Exposição
A manutenção da imagem é quase uma metáfora da vida. Alcançar o auge demanda muito esforço e dedicação, mas a decadência, quando ocorre, se dá em alta velocidade. Até por isso, o fato de Pelé chegar aos 70 anos ainda como ícone e referência mundial, mesmo com tanto tempo afastado dos gramados, é algo de destaque. E o próprio Pelé reconhece a importância da mídia para o status de ídolo que tem hoje, no documentário A História do Futebol – Um Jogo Mágico: Super Estrelas. Visão diferente, por exemplo, do que seu eterno “rival” Diego Armando Maradona tem do papel da mídia com o esportista. Para o argentino, o jogador não precisa da imprensa, mas os meios de comunicação dependem do atleta.


A atenção de Pelé com a mídia, decisiva, como o próprio assume, para a manutenção de sua imagem, seu deu a partir de um longo trabalho, que se estende até hoje. “Ele não para de trabalhar”, destaca Mário Rosa. “Pelé é fruto de uma época em que jogadores não representavam financeiramente o que os ídolos de hoje representam. Atletas com muito menos feitos e patrimônio de imagem obtêm resultados financeiros enormes em pouco espaço de tempo. A força do Pelé nesse sentido se dá por ele sempre ter se dedicado e trabalhado por essa imagem”, explica.


Cuidar da exposição, no entanto, não pressupõe que a pessoa se torne artificial. E Pelé é apontado como um exemplo claro desse ponto. “Quando a pessoa se torna pública, se for falsa ou artificial, ela não resiste. Se o Pelé fosse uma fraude, já teria sido cabalmente desmentido pelo tempo. Se tivesse surgido há 70 horas, dias, semanas ou meses, poderíamos até ter dúvidas. Mas uma pessoa com 70 anos de exposição da forma como isso se deu é quase impossível de ser uma farsa, não é?”, questiona Rosa.


Mitificação
O cuidado de Pelé com essa imagem buscou, por vezes, desvincular o mito e craque do “humano” Edson, permeado por problemas particulares e familiares que embora conhecidos até hoje, pouco são retratados. “Ele sempre se referia a si na terceira pessoa”, observa o jornalista santista Ouhydes Fonseca, cuja tese de doutorado (Pelé, o gol contra, um discurso de poder), defendida em 1988 na Universidade de São Paulo (USP), analisava justamente a evolução do discurso de Pelé a partir de declarações do ex-jogador repro-duzi-das nos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo, de 1956 a 1987.


“Você vê que ao longo do tempo, o discurso dele vai realmente se alterando, mas sempre se adaptando à situação de momento, ao que é mais cômodo ao sistema. É a declaração em favor das criancinhas, ou então, no momento em que o Brasil vivia o regime militar, e a frase onde ele disse que o brasileiro não sabia votar…”, explica Fonseca, recordando de uma declaração do também jornalista Lauro Freitas Filho: “Pelé é outro exemplo de ídolo eterno, embora feito por caminhos diferentes. Talento certamente possuía, mas o que mais pesou em sua escalada de glórias foi seu comportamento nunca contraditório ao modelo. Ele foi a personificação da virtude, do vigor atlético, da humildade e da subserviência ao sistema, espelho de toda uma geração”, lembra.


Por vezes o nome do ídolo esteve envolvido em questões de grande polêmica, como perdas em negócios infrutíferos, a estranha reaproximação com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), da qual Pelé já fora crítico ferrenho no passado, ou os problemas familiares que ganharam repercussão na mídia. Caso da não-aceitação de paternidade de Sandra Regina Machado, falecida em 2006, que afirmava ser sua filha. Ou então o envolvimento de Edinho, filho do Rei, que chegou a ser preso.


O lado obscuro de Pelé chegou a ser inclusive questionado na obra A verdade sobre Pelé, do jornalista Adriano Neiva, conhecido como De Vaney. O livro toca pontos, como o “adeus” do ex-jogador à seleção brasileira, indicando que o Atleta do Século se recusou a disputar a Copa do Mundo de 1974 por dinheiro, pois ganharia mais jogando com o Santos do que indo para o Mundial. A força midiática de Pelé, no entanto, foi decisiva: a obra nem bem havia chegado às livrarias e acabou recolhida.


O próprio Ouhydes Fonseca encontrou dificuldades em publicar sua tese de doutorado com um olhar mais detalhado sobre o discurso do Rei do Futebol. “Algumas editoras acharam interessante, mas não quiseram publicar. Outras duas com quem conversei avaliaram que naquele momento (meados da década de 90) não seria bom mexer nesse tipo de assunto por ele estar ocupando o cargo de Ministro do Esporte”, recorda.


Para o jornalista, a conclusão possível é que Pelé realmente teve sucesso na “divisão” entre Edson e Pelé entre o público, mesmo que entre os profissionais da comunicação haja um grupo mais crítico. “Ele conseguiu que as pessoas intuitivamente não questionassem o Pelé sobre nada, com a imagem do cara legal e bacana.


Na base do feeling, você observa que é difícil chegar em algum lugar e criticar o Pelé, sem que você seja criticado por isso”, aponta. “Ele tem como virtude uma inteligência grande para captar as coisas, e tirou proveito disso, no bom sentido. Ele nunca teve uma espécie de mentor, e acredito que essa postura se deu até de maneira natural, inclusive porque ele mesmo sabia de sua fragilidade nesse comportamento familiar”, completa, destacando, por fim: “Ele é um fenômeno. Afinal, está aí até hoje. Crianças sabem quem ele é melhor do que muitos astros de hoje. É um cara universal, reconhecido em qualquer lugar que ele vá, seja em Santos, seja em Nova York”, compara.


Idolatria
Uma comparação inevitável sob a ótica da idolatria acaba sendo com o piloto Ayrton Senna. Nesse sentido, para Mário Rosa, o trágico falecimento do piloto, em 1994, acabou sendo determinante para o questionamento: quem é o maior ídolo do País? Parada dura. “O Senna morreu sob os olhares de muita gente, na televisão. O que o colocou num patamar quase que de santo, um pouco acima do bem e do mal. Não sei se ele tivesse vivo hoje, teria esse mesmo grau de imagem que Pelé tem na atualidade. Uma diferença importante é que o Edson ficou vivo para ser questionado como ser humano após o fim de sua carreira, enquanto o Senna, infelizmente, não teve isso”, avalia o jornalista.


Ainda assim, Rosa, considera que o eterno 10 do Santos, mesmo com os questionamentos, está à frente. “Para a história do esporte, o Pelé será e terá sido o atleta que melhor encarnou o simbolismo do esporte brasileiro”. Para justificar, o especialista dá o exemplo do chamado inconsciente coletivo da comunidade. “Quando alguém imita a voz dele,  9 em cada 10 vão identificá-la. sem olhar para o imitador. É automático. Sabemos que D. Pedro I fez a Independência como sabemos que Pelé é o Rei do Futebol. E até talvez saibamos mais do Pelé do que de D. Pedro”, finaliza.

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