Para Albert Einstein, a criatividade é o resultado da inteligência se divertindo e é baseando-se nesta premissa que Ana Luiza Medeiros, de Natal (RN), se aproveitou das situações cotidianas e das aulas do cursinho – que não eram muito interessantes – para dar vida aos seus personagens. Em meados de 2006, surgiu o Zé, seu primeiro personagem da história em quadrinhos Carvalhos.
Mesmo quando o tempo ficou mais escasso, quando cursava a faculdade de Arquitetura e Urbanismo, os desenhos durante as aulas não pararam. “Desculpa, professores!”, pede agora Luiza, que em meados de 2008 já havia criado outros personagens e, para cada um deles, um pequeno histórico.
Mas foi somente a partir de 2012, quando percebeu que havia perdido o hábito de desenhar, que Luiza criou o site Tiraninha: “Foi a forma que encontrei de colocar disciplina”, conta. “A obrigação de manter o site atualizado me força a produzir mais para conseguir aumentar os acessos do site”.
A estratégia funcionou. Ana e o Sapo, uma das tirinhas que marcam presença às segundas, quartas e sextas no Tiraninha, virou livro em 2013 por meio do financiamento online. A premissa das tirinhas é bastante simples: “Como falar sozinha é deveras estranho, o Sapo apareceu para conversar comigo”, explica Ana Luiza.
Recentemente, a quadrinista enfrentou mais uma vez o desafio de transformar suas tirinhas em livro, mas agora com a “família que todo mundo gostaria de fazer parte”. Trata-se de os Carvalhos, que encarnam as situações cotidianas vividas por sua autora. “Eu sou uma pessoa meio respondona e, às vezes, a civilidade não permite que a gente diga certas coisas a certas pessoas e/ou em certas situações”, reconhece Ana Luiza.
“Eu acabo passando para as tirinhas as coisas que eu gostaria de ter dito, ou que gostaria de poder dizer, mas que podem trazer consequências ruins na vida real. Felizmente, elas funcionam em um contexto cômico”, conclui a urbanista quadrinista.
Para lançar seu segundo livro, Ana Luiza optou novamente pelo crowdfunding – termo em inglês que pode ser traduzido livremente como “vaquinha online”. Com a ajuda da MBP, um selo editorial, a quadrinista lançou o projeto na internet e arrecadou R$ 1 500,00 a mais do que os R$ 4 mil estabelecidos como meta.
Para financiar seu projeto, Ana Luiza pediu contribuições que variavam de R$ 10 a R$ 350, sendo que para cada valor havia uma recompensa especial. O colaborador que fez a doação mínima ganhou os livros Carvalhos e Ana e o Sapo (ambos em formato digital). Já quem contribuiu com o valor máximo ganhou uma série de itens que incluíam, entre outros mimos, o livro em PDF, uma cópia física autografada, um conjunto de porta copos e um isqueiro.
Diversidade
A vaquinha online utilizada por Ana Luiza não se limita apenas ao financiamento de livros. Esta plataforma já é utilizada para lançar filmes, documentários, montar exposições de arte e fotografias e até mesmo realizar trabalhos de conclusão de curso – ou TCCs, como são chamados nas faculdades.
São mais de 10 sites que oferecem plataformas para a divulgação e coleta de doações por meio da internet. Entre os mais utilizados estão o vakinha.com.br, o catarse.me (utilizado por Ana Luiza) e o kickante.com.br, que aceitam os mais variados tipos de projetos
Entre os sites de financiamento online, existem aqueles que dedicam-se apenas ao financiamento de projetos apoiados por leis de incentivo à cultura. Outros são exclusivos para projetos de cunho social e filantrópico e ainda existem sites voltados para projetos que envolvem animais abandonados.
Planejamento é fundamental
A palavra chave para o sucesso dos projetos de financiamento coletivo é o planejamento. Muitos sites como o Kickante e o Catarse exigem dos empreendedores virtuais planos financeiro e de marketing que mostrem como o valor arrecadado será investido e como o “produto” chegará ao apoiador.
O empreendedor deve pensar também no tipo de campanha que pretende fazer. Alguns sites oferecem duas fórmulas: “tudo ou nada” ou “flexível”. Na primeira modalidade, caso a meta não seja alcançada, as doações são devolvidas aos apoiadores. Já na segunda, caso a meta não seja batida, o empreendedor deverá pagar pela diferença do valor restante.
As recompensas são consideradas um dos itens mais importantes para os sites de vaquinha online. O Catarse, por exemplo, recomenda que os “presentinhos” oferecidos aos apoiadores sejam generosos e atrativos.
Outra questão apontada pelos sites de crowdfunding é clareza do destino das doações. O site Kickante, que oferece um manual com vídeos explicativos sobre como lançar uma vaquinha online, é claro. “As pessoas gostam de saber que seus R$ 10, R$ 20 contam”.
Vale dizer que na maioria dos sites, os projetos são submetidos à análise para aprovação e, no caso de algumas plataformas como o Catarse e o Kickante, o empreendedor conta com apoio de consultores que ajudam a ajustar o projeto.
Com o projeto bem estruturado e campanha lançada, chega a fase de divulgação, crucial para que o projeto pretendido alcance a meta estipulada e seja concretizado.
‘Cara de Pau’
Milena Azevedo, sócia da MBP, de Natal (RN), selo editorial que apoia projetos editoriais como o de os Carvalhos, define a vaquinha-online como “cara de pau” já que o autor tem que “convencer as pessoas de que seu trabalho é interessante e que merece sair da gaveta ou espaço virtual e se materializar”.
“Optei pelo crowdfunding porque fazer um livro desvinculado da editora tem um custo muito alto para se tirar do bolso”, explica Ana Luiza. “Desta vez, firmei parceria com a MBP, que vai me ajudar nas vendas e na questão burocrática de registro do livro”. Apesar da parceria, a “cara de pau” é toda da quadrinista. “A campanha está sob minha responsabilidade.
Vantagens
Além de minimizar riscos e possíveis perdas financeiras caso o projeto não seja 100% financiado e minimizar o tempo de retorno do investimento, a vantagem da vaquinha online é indiscutível. “A falta de burocracia tanto para colocar a campanha no ar quanto no pós-campanha, ou seja, no momento do repasse do dinheiro angariado”, pondera Milena Azevedo.
Para muitos autores, artistas, músicos, inventores, companhias culturais, ONGs e instituições filantrópicas, o crowdfunding tem sido a “vaquinha dos ovos de ouro” ao ajudar colocar em prática projetos que geralmente não conseguem atrair patrocinadores ou o interesse de editoras.
(*) Felipe Cincinato é aluno do 2º ano de Jornalismo da Universidade Santa Cecília – Unisanta (Santos – SP)