Os animais de estimação estão presentes em muitos lares de todo o Brasil. Porém, nas cidades é comum ver o abandono deles.
Pensando nisso, defensores da causa animal buscam iniciativas para solucionar este problema.
Em Santos, no litoral paulista, o vereador Benedito Furtado (PSB) apresentou uma proposta que veta o comércio desses animais.
O Projeto de Lei Complementar nº 14/2019 foi apresentado no dia 14 de março na Câmara Municipal de Santos.
Na data, comemora-se o Dia Nacional do Animal.
Na última terça-feira (7), houve audiência pública para debater a proposta.
Na Câmara, o auditório Zeny de Sá Goulart recebeu pessoas dispostas a argumentar.
O objetivo do projeto é vetar a concessão e renovação dos alvarás de canis, gatis e estabelecimentos que façam a comercialização de animais domésticos na Cidade.
De acordo com Furtado, o propósito é incentivar a adoção e reduzir o abandono.
Em relação a um possível impacto nos negócios do ramo de pet shops, o vereador afirma que, de qualquer forma, os pets precisam de serviços oferecidos pelas instituições.
Banhos, tosas, atendimento veterinário, remédios, alimentos, petiscos e outras utilidades ainda serão necessárias.
Dessa forma, ele argumenta que não haverá prejuízo aparente.
A proposta vai além de cães e gatos, abrangendo também pássaros, roedores, e outros animais que, de acordo com o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA), tornaram-se domésticos por meio de processos de manejamento ou ainda de melhoramento zootécnico.
O vereador afirma que em Santos não existem canis.
No entanto, ele reconhece que é possível ter locais clandestinos.
Furtado, defensor da causa animal há mais de 20 anos, enfatiza a necessidade de animais abandonados ganharem tutores.
Ele também destaca que os animais não são meros objetos.
“Animal não é coisa, eles são seres sencientes”, afirma o parlamentar municipal.
Motivação
Em fevereiro de 2019, uma denúncia levou a Polícia Militar Ambiental de Piedade, no interior de São Paulo, a fechar um canil com mais de mil animais em situação de maus-tratos.
Este fato foi um dos principais estímulos para Furtado apresentar o projeto de lei.
Além disso, o vereador enxerga aumento do interesse da população em iniciativas que visam o bem-estar animal.
Na Inglaterra, é proibida a comercialização de filhotes com menos de seis meses de vida.
Além disso, em 2018, o estado de Victoria, na Austrália, foi sancionada no ano passado uma lei que proíbe a reprodução comercial e venda de animais domésticos.
Posições
Um ponto levantado por muitos que acompanharam o debate na Câmara, favoráveis ou não à venda, foi a necessidade de, primeiramente, definir parâmetros.
A Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semam), procurada pela Reportagem, é favorável à regulamentação, fiscalização e controle da comercialização de animais de estimação.
Eduardo Filetti, médico veterinário e professor universitário, concorda em não vender animais em pet shops.
Entretanto, ele discorda do PLC, alegando que existem bons canis e gatis.
“Não podemos proibir uma atividade econômica, que é direito fundamental”, ressalta.
Filetti acredita que o caminho certo seja a fiscalização, com consequente multa para os exploradores de animais.
Sob o aspecto jurídico
Para Ana Paula Manssini, advogada especializanda em Direito Ambiental e Gestão, o tema pode gerar polêmica.
Ela destaca que a Constituição Federal estabelece proteção aos animais, inclusive contra a crueldade (artigo 225).
Todavia, a Constituição não apresenta uma definição concreta para o termo. Dessa forma, tornando tormentosa regulamentação de canis e gatis.
Além disso, a advogada observa que esse tipo de projeto pode sofrer críticas por suposta violação do princípio da livre iniciativa, conforme o artigo 170 da Constituição Federal.
Para a profissional, essa interpretação, do ponto de vista constitucional, não parece ser a melhor.
“Possuímos em nosso País diversas vedações à comercialização de determinados produtos, sem que isso represente qualquer violação à livre iniciativa. E segundo porque o tratamento cruel aos animais ofende a própria dignidade da pessoa humana”.
Ela ressalta que a “coisificação” animal encontra amparo em normas do Brasil, tanto no Código Civil quanto no Direito Ambiental.
Apesar disso, acredita que a objetificação está perdendo força e paulatinamente cresce o reconhecimento dos animais como seres sencientes.
Ou seja, é capacidade dos seres de sentir sensações e sentimentos de forma consciente.
Em suma: é a capacidade de ter percepções
Ainda segundo Ana Paula, a sociedade deve compreender a situação ou haverá fomento de práticas ilegais.
“Depende muito da conscientização das pessoas. A lei, ao meu ver, deve ser precedida de amplo debate, para que acompanhe o anseio social”, conclui.

Projeto inibe a venda de animais em pets, o que provocou ampla discussão em razão do comércio ser livre nas redes sociais.Foto: Divulgação
Redes sociais
Em maio do ano passado, o Facebook alterou a política de comércio da plataforma e do Instagram, passando a proibir comercialização de animais vivos.
A medida atende os animais domésticos e os voltados para a pecuária.
Além disso, é proibido vender qualquer parte de animais, incluindo pelos ou peles.
Por outro lado, é permitido o comércio de brinquedos, jaulas, serviços e outros produtos veterinários.
Os usuários podem denunciar as publicações ou páginas que apresentarem atividade irregular.
Entretanto, é possível encontrar facilmente páginas e grupos que promovem a venda de animais.
Furtado reconhece a dificuldade de fiscalização na internet, mas ressalta a importância de denúncias para que possa haver punição.
“Comete o crime, tem o castigo”.
Repercussão
A audiência pública pôde ser acompanhada via rede social, por meio de transmissão ao vivo, que fica registrada na página da Câmara Municipal de Santos.
A publicação reuniu 4 mil visualizações e mais de 3,5 mil comentários em tempo real.
Pessoas de diversas partes do País enviaram opiniões – contrárias e favoráveis – incluindo criadores, adestradores, donos de canis e ativistas da causa animal.
Alguns espectadores citaram um possível “efeito cascata” no segmento de pets, partindo da diminuição de empregos.
Além disso, vários enfatizaram que existem criadores responsáveis.
A maioria foi de acordo com a ideia do vereador de que “amor não se vende”.
Por outro lado, internautas citaram a exploração praticada por alguns criadores e vendedores, que atuam de forma avulsa.
Na internet, assim como no lotado auditório, a discussão foi marcada por tensão.
A audiência foi marcada por muitas intervenções e pedidos de silêncio durante as falas dos convidados.
O projeto ainda está sendo analisado pelas comissões do Legislativo santista.