Uma triste e dura história do mundo real | Boqnews
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Literatura

16 DE MARÇO DE 2017

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Uma triste e dura história do mundo real

Baseado em fatos reais, livro O Ùltimo Abraço aborda a vida de um casal da terceira idade e aprofunda um tema tabu, mas corriqueiro na terceira idade: a eutanásia.

Por: Fernando De Maria

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Baseado em um fato real, livro aborda - usando as técnicas de uma grande reportagem - um tema tabu no Brasil: a eutanásia

Baseado em um fato real, livro aborda – usando as técnicas de uma grande reportagem – um tema tabu no Brasil: a eutanásia

Nelson Irineu Golla, de 74 anos, e sua mulher, Neusa, de 72, tinham muitos sonhos quando se casaram, ainda jovens, na zona leste de São Paulo. Entre eles o de terminar a construção da casa própria, criar os três filhos e, só então, na tranquilidade da aposentadoria dele, passar a viajar mais e a curtir mais a vida. A velhice tranquila, no entanto, foi interrompida por um problema de saúde de Neusa, que, após dois AVCs, passou a viver numa clínica para idosos.

Nelson, também debilitado por um problema no braço, viveu dias de dor e revolta, sem saber como atender aos apelos da mulher, que definhava dia a dia, perdendo a fala, os movimentos e a vontade de viver. Ele a visitava diariamente e, numa dessas visitas, sem que ninguém na clínica desconfiasse, Nelson deitou-se sobre Neusa, com uma bomba de fabricação caseira atada ao peito.

A história desse casal é contada em O último abraço, uma grande reportagem do jornalista Vitor Hugo Brandalise, que tem como pano de fundo o cotidiano de pessoas de classe média baixa numa região de São Paulo em transformação, de bairro operário a bairro de classe média.

Margeando a história dos dois, ele mostra os costumes e hábitos sociais, além dos traços da economia brasileira de então. “Nelson passou quase toda a vida na zona leste de São Paulo, próxima do ABC Paulista, onde se instalaram indústrias de automóveis ávidas por força de trabalho como a dele.

A maior parte dos empregos que teve era ligada a essas empresas, e o trabalho duro era um valor fundamental em sua vida. Nelson acabou dedicando ao trabalho, portanto, muito de sua existência. E deixou de lado aptidões artísticas que, creio, sempre apresentou. Essa era uma de suas frustrações.

Mas foi também um traço que o levou a se aproximar ainda mais de sua esposa, Neusa, que o estimulava, a seu modo, nas tentativas de levar uma vida culturalmente mais rica. Neusa também buscava ajudar nas finanças da casa – e, muitas vezes, esbarrou no machismo do marido. Esse é outro traço, aliás, do ambiente em que Nelson foi criado”, observa Brandalise.

A obra também trata de uma questão pouco discutida no Brasil: a eutanásia. Quais as consequências jurídicas do ato de Nelson Golla? Como as famílias lidam com os seus idosos, num país que tem uma maior expectativa de vida, mas não necessariamente um bom sistema de saúde? “Como disse um dos médicos com quem falei para escrever este livro, é a sociedade que leva as questões a serem discutidas nos conselhos de medicina – que podem definir o que se pode e o que não se pode fazer em hospitais e clínicas. Creio que a história de Nelson e Neusa, e aquilo que ele genuinamente entendeu como eutanásia, é uma demonstração de que chegou o momento de o Brasil discutir as delicadas questões que envolvem a autonomia de um indivíduo em relação ao fim de sua própria vida”, afirma o autor.

O último abraço lembra a história do filme Amor, de Michael Haneke, cuja protagonista, Emanuelle Riva, faleceu recentemente. Ele chega às livrarias em março, pela editora Record.

Sobre o autor

Vitor Hugo Brandalise nasceu em Videira (SC), em 1984, e vive em São Paulo. É jornalista, mestre em Comunicação pela Universidade de La Coruña e trabalhou como repórter no caderno Aliás e na editoria Metrópole de O Estado de S. Paulo, além de editor da revista internacional GQ. É vencedor de oito prêmios nacionais e internacionais de reportagem, entre eles o Petrobras de Jornalismo 2013 e o Vladimir Herzog 2016. É também autor do livro O Theatro Municipal de São Paulo: histórias surpreendentes e casos insólitos (Senac, 2013).

Confira trecho do livro

“Nelson visitaria Neusa novamente. Levava dois volumes nos bolsos da calça. Um deles era uma bisnaga de 100 mililitros que enchera com água de coco de caixinha, como a esposa gostava. Às escondidas, daria de beber a ela. Nelson sabia que era proibido alimentar pacientes que usam sonda, mas, ainda assim, sempre o fazia.
— Bebida direto no estômago não mata a sede de uma boca seca — dizia.
O outro volume que Nelson levava era uma bomba caseira, que ele mesmo fizera e às vezes apalpava no caminho até a clínica para certificar-se de que estava mesmo

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