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14 DE AGOSTO DE 2009

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Velho e novo em poesia

Os três versos acima compõem um haicai, forma japonesa de poesia. É uma criação literária que conduz a um Japão de tradições. Haicai é mais do que um texto. As palavras organizadas são rituais de resistência em um país que hoje transpira o seguinte dilema: como aliar tecnologia contemporânea e raízes culturais? O Japão é […]

Por: Da Redação

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Os três versos acima compõem um haicai, forma japonesa de poesia. É uma criação literária que conduz a um Japão de tradições. Haicai é mais do que um texto. As palavras organizadas são rituais de resistência em um país que hoje transpira o seguinte dilema: como aliar tecnologia contemporânea e raízes culturais?

O Japão é a terra da parafernália eletrônica, onde as empresas testam as últimas novidades para o mercado consumidor globalizado. É o lugar onde nascem, crescem e se reproduzem robôs de várias espécies, para acelerar a produção homem-máquina. É a referência do consumo em excesso, do descarte implacável de mercadorias.

Mas o Japão também representa o país de valores arraigados, da arquitetura poética, da leveza da dança, do código samurai rigoroso. O Japão significa prudência, paciência e serenidade para conviver e sobreviver com o essencial.

Os dois modelos de Japão, o casamento entre o antigo e o atual, a fusão entre o tradicional e o contemporâneo servem de combustível para a exposição Estações do Olhar, da designer e professora universitária Márcia Okida. São 27 quadros produzidos a partir de haicais, que podem ser vistos na galeria do Espaço Cultural da Universidade Santa Cecília, em Santos.

Imigração 
Márcia é neta de japoneses. O avô, Yuchi Okita (o nome dele foi alterado no Brasil), chegou aqui aos três anos. Em 2006, ela teve contato com um livro de contos tradicionais e modernos do Japão, que pertencia ao avô.

A partir daí, Márcia resolveu escrever haicais. E com rigor tradicional. É o kigo, no qual cada haicai tem três linhas, sendo cinco sílabas na primeira, sete na segunda e mais cinco na última. Ela também mantém o ritual de escrever somente quando sentimentos a empurram para o diálogo com o papel. “Viu algo, sentiu, você faz. É coisa de momento.”

No ano passado, Márcia percebeu que poderia transformar a poesia em imagens. As comemorações dos 100 anos da Imigração Japonesa a aproximaram ainda mais das origens culturais familiares. Como efeito, ela reescreveu muitos dos haicais e produziu novos textos.

Papel x computador
Só que Okida vive das imagens. É designer há 25 anos e ficou conhecida pela produção de cartazes e outros materiais gráficos. A trajetória profissional e o peso da cultura visual a levaram para os rabiscos no papel. Além de palavras, nasceram curvas, flores e traços geométricos, influenciados pelo estilo minimalista do designer japonês Ikko Tanaka. O processo seguinte, de união das formas, também envolveu a finalização em papel.

Na galeria, diante das obras prontas, Márcia respondeu sistematicamente a mesma pergunta: qual software você utilizou nos quadros? Pergunta previsível, pois ela coordena o curso de Produção Multimídia da universidade, onde é comum o uso de computador como apoio para criações artísticas.

O programa de computador, segundo Márcia, entrava apenas no momento de ajustar cores e impressão. “O computador não entra como criação. Tinha vontade de mostrar meu lado, ir além das produções sob encomenda.” Ah, ela utilizou Corel Draw nos quadros, em dois formatos diferentes de cartazes.

A proposta obteve ressonância com o público. Em cinco dias, foram 300 visitantes. O desenhista de mangá (quadrinhos japoneses) Leandro Altafini esteve na exposição e entende que a tecnologia não elimina o poder criativo. “Os quadros dela são a união do trabalho artesanal com o design visual.”

Flor de cerejeira
Nas obras, imagem e texto mantém um relacionamento simbólico. Não há a necessidade de realismos. “Procurei extrair o lado simbólico da cor e das formas geo-métricas”, afirma Márcia. Os haicais falam do clima, de estações do ano. Alguns deles representam pessoas que fazem parte da vida da designer ou experiências que ela viveu.

Para o cartunista e professor universitário DaCosta, os quadros refletem a natureza e a relação com o ser humano. “Podemos ver as curvas, as linhas horizontais e verticais e a geometria que compõem a natureza.”

A exposição “Estações do Olhar”, com curadoria de Gilson de Melo Barros, transformou a galeria numa reprodução da cultura japonesa, sem se apoiar em rótulos ou clichês. O som budista realça as ikebanas, que contrastam com o fundo vermelho e cercam origamis de tsurus (pássaros) brancos.

A tradicional flor de cerejeira (sakura), presente em filmes japoneses, retoca o cenário oriental. A própria designer se surpreendeu ao ver as flores, consideradas raras por aqui. Nada mais singelo que o novo e tradicional no mesmo espaço. E com papéis trocados, dependendo de quem vê.

Serviço
A exposição Estações do Olhar pode ser vista até 22 de agosto, de segunda a sexta, das 10 às 22 horas, e aos sábados, das 9 às 15 horas. A galeria do Espaço Cultural Unisanta fica à Rua Oswaldo Cruz, 277 – Boqueirão – Santos. Entrada gratuita. Os haicais impressos nesta página são de autoria de Márcia Okida.     



 

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