Viajar ao redor do mundo faz parte do sonho de muitas pessoas. Mas, de bicicleta, é algo bem curioso e inusitado.
Esse é o caso do professor mestre em História, Luís Fernando Prestes, de 54 anos, que viaja com seu cachorro Belmiro – em homenagem à Vila Belmiro, onde está seu clube de coração, o Santos FC, e pretende viajar pelo Leste Europeu, Ásia, Oriente Médio, África, América do Sul chegando ao total de 60 países como pretende.
Para ter noção, ele já passou por 12 mil quilômetros em estradas. Segundo ele, do ponto de vista histórico, um dos países mais fascinantes que percorreu foi a Turquia, na cidade de Éfeso.
“Antiga cidade greco-romana com 2500 anos mais ou menos, foi maravilhosa, assim como Afrodísias, na Turquia, e algumas ruínas gregas. Do ponto de vista cultural você vê algumas coisas maravilhosas, assim como do ponto de vista natural.
Além de montanhas cobertas de neve e rios de corredeira. E pedalar em uma nevasca, como já aconteceu com a gente, com neve leve, diferente do que vemos no Brasil”.
Assim, ele recorda momentos marcantes das viagens que presenciou como montanhas e lagos, como Sevan, na Armênia; Lago Egirdir, na Turquia.
Além de Saint-Malo, uma cidade medieval da França que tem relação com Brasil, pois foi de lá que saíram expedições piratas que saquearam o Rio de Janeiro.
Locais diferentes
Dos locais isolados visitados, ele disse que são locais de reflexão e de vencer o medo.
Por exemplo, na primeira noite em uma barraca, a experiência foi difícil, mas ao mesmo tempo sensacional por poder escutar a natureza, com os sinais e os sons que ela dá.
O professor vai escrever artigos para o Boqnews.com sobre suas viagens e afirma que a expectativa é compartilhar um pouco da experiência.
“Primeiro de viajar com cachorro, depois dessa viagem slow-motion (câmera lenta), não pelas atrações turístiscas, pelos países, vilas, contatos com população, dormindo com elas, jantando. A ideia é trocar experiências, comentar sobre similaridades e diferenças.
As pessoas têm mais curiosidade pelas diferenças. Meu próximo texto é falar do verão, como é diferente do Brasil, por exemplo”. Ele está na Geórgia, a menos de 100 quilômetros de distância da Rússia, seu próximo país.
Culturas
Quanto as diferenças culturais, ele ressalta que a formação de humanas permite o olhar de alteridade, sempre observando a diferença como diferença, não inferioridade, pois tem uma lógica dentro da cultura de determinado povo.
Ele não passou por experiências bizarras, mas cita, por exemplo, na Turquia, onde as mulheres andam com corpo coberto da cabeça aos pés, só o olho para enxergar e pessoas que as vezes tratam com rudeza, mas porque a cultura desses povos são assim.
“Gentileza e sorrisinho de um russo ou polonês inexiste. A cultura é diferente, russo não chora, a criança aprende desde criança, choro é de gente fraca e que se expõe.
Na Turquia não há contato, não pode apertar a mão das mulheres, por exemplo. É só ‘oi’. Fiquei com a mão no ar umas 20 vezes”, brinca.
Diferenças
“Eu tenho algo fundamental na viagem que é entender a diferença como diferença e não como coisa bizarra.
A gente aprende nas ciências sociais que todo tipo de ação social tem uma importância dentro da cultura das pessoas”, comenta Fernando.
Portanto, o professor reforça que a cultura define como as pessoas agem, se vestem e comem. Na Europa, mesmo dentro de um país, há diversas etnias presentes.
No norte da Sérvia, a população é húngara. Na área húngara da Sérvia, eles se vestem de um jeito. A comida é diferente. Já 60 quilômetros depois já na área da Sérvia, a comida muda, o sorriso, o jeito que as pessoas agem, explica o professor.
“Mas elas são gentis. Existem uma ideia de bem e mal, ninguém admite crime, roubo, estupro, muita similaridade dos povos que conheci com o brasileiro.
Existem muito mais similaridades que diferenças. Na Turquia, os pratos têm pouco sal. Se pedir uma sopa de lentilha, você não consegue tomar sopa, pois tem que salgar a comida, eles colocam pouco”.
“Entra na Geórgia, Batumi, a comida tem sal igual do Brasil. Isso vai de acordo não com a nacionalidade, mas há etnia dentro da nacionalidade. A Europa é um mosaico étnico. Você está na Transnístria, tem área ucraniana, russa, búlgara e moldava. Existem 4 etnias dentro que vivem formas diferentes e língua diferentes”.
Desafios
Sobre as experiências mais desafiadoras que passou, o professor aborda que em muitos países, principalmente mais pobres, cachorros não são pets como no Brasil e Ocidente. “Cachorro é de trabalho para cuidar de carneiro, rebanho e segurança”.
“Ele não é bem vindo em muitos países. Eles acham uma loucura quando eu entro com ele no hotel. De repente consigo um que aceita pet, mas hospedes ficam assustados e reclamam para o dono do hotel.
Na Moldávia não tem pet, mas outros têm”, expõe Fernando. Além disso, ele também comenta que nos países islâmicos ninguém toca no Belmiro. Em Kosovo e Albânia, quando andava com o seu pet nos calçadões da cidade, as pessoas abriam um corredor para os dois.
Isso porque, segundo o professor, islâmicos e ortodoxos são de duas correntes do islamismo, representando mais de 50 % dos islâmicos e muçulmanos, não podem tocar, pois se tocarem, devem fazer ablução, limpeza antes de orar. E assim, o indivíduo tem que tomar banho, lavar mão, essas exigências variam de acordo com as correntes.
Gastronomia
Sobre a culinária, ele enfatiza que é vegetariano, contudo grande parte dos pratos famosos possui carne.
Por exemplo na Alemanha tem linguiça, isso varia muito, mas experimentou pratos vegetarianos bons.
Na opinião dele, a culinária italiana é a melhor do mundo e depois vem a turca, que Fernando aponta como sensacional.
“Em outros países, como na Armênia, existem mini padarias que fazem coisas maravilhosas. Fora dos vegetais, eu como queijo e comia muitas coisas na Sérvia e Moldávia e fora as saladas, da parte vegetariana”.
Aprendizados
Referente aos principais aprendizados que o professor adquiriu, ele informa que é o de “não termos que ter medo. Quando saí do Brasil, colocaram medo em mim, dizendo que russo é grosso e uma coisa que aprendi é deixar tudo isso para trás. As pessoas diziam que só tem ladrão na Romênia, pois passou por alta criminalidade, quando o socialismo implodiu. Só que isso na década de 1990. Essas imagens ficaram na cabeça das pessoas.”
Assim, ele conta sobre a percepção que teve sobre o comportamento e atitudes dos estrangeiros.
“Se eu fizer uma conta, acho que nas interações que tive com as pessoas, entre 95% e 98% nos trataram extremamente bem, com gentileza e generosidade em diversas situações. Temos que deixar preconceitos de lado e as pessoas em geral são boas.”
Ele ainda comunica que as interações ruins não passaram de 2% delas, inclusive ganhou dinheiro, fruta, comida, energético e café.
Além disso, uma vez, as pessoas se dirigiram até ele e pagaram o café, pedindo para contar a sua história, de onde estava vindo.
Adaptação
Para ele sair da zona de conforto houve muita dificuldade. O historiador confessa que no começo sentiu a adaptação, teve momentos para baixo, mas depois foi se adaptando. Inclusive largou tudo que tinha para conhecer o mundo.
“A ideia era ficar 3 anos fora. Eu tinha como voltar para trás mas não queria, quero cumprir o plano que eu tenho. Estou praticamente na metade da viagem.”
Belmiro
Sobre o seu companheiro Belmiro, ele conta que também é necessário uma documentação complexa que realizou antes de sair do Brasil.
Ele pode entrar em 98% dos países. A dificuldade para entrar é no Havaí, Islândia, Austrália e Nova Zelândia, onde quarentena é obrigatória. Neste caso, ele ficaria 40 dias em canil fechado e só depois seria liberado para entrar no país.
Para mencionar o carinho e amor da sua companhia, ele não poupa palavras.
“Ele é sensacional, obediente, amigo, companhia na viagem. Me deixa feliz. Eu tomo cuidado com ele, o tempo inteiro olhando ele, dando água e comida. Decidi levar como companhia, a entrada nas fronteiras é tranquila, conferem a documentação, vacinação em dia. Às vezes, passo por alguns perrengues”.
Por exemplo, na última quarta (14), ele não conseguiu o certificado de saúde dele para cruzar a fronteira.
Desse modo, a história de Fernando e Belmiro reforça a ideia de se aventurar e a importância de viver momentos como esses, que são inesquecíveis.
Para quem quiser acompanhar, basta acessar o Instagram e também no YouTube e outras redes sociais do professor santista e seu cão, Belmiro.
Ademais, para ajudar no custo da viagem, acesse https://apoia.se/pedalandonahistoria?utm_source=Explore-da-APOIA-se&utm_medium=Card-de-Campanha