Aprovada pela Câmara Federal na primeira quinzena de julho, a reforma tributária passa agora por análise e detalhamento pelo Senado nos próximos meses.
A previsão é que o tema seja aprovado em outubro.
Considerada uma vitória do Governo Lula, a proposta ainda traz um mar de incertezas para muita gente, especialmente ao cidadão comum.
Na prática, é a substituição de cinco impostos hoje existentes por dois.
Há expectativa que bens de consumo da cesta básica, por exemplo, sejam beneficiados com isenção de impostos.
A Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) passará a ser arrecadada pela União e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) será reservados aos estados e os municípios.
Além da simplificação, o modelo de IVA, Imposto sobre Valor Agregado (IVA), evitará a acumulação de tributação ao longo da cadeia produtiva, o que deve beneficiar a indústria.
No entanto, haverá impacto negativo em relação ao ISS – Imposto sobre Serviços.
Casos de municípios portuários e aeroportuários e que tem esta fonte de arrecadação como a número 1 em recursos.
Como Santos, no litoral paulista, onde está o maior porto da América do Sul, onde pelo menos 60% da arrecadação do ISS decorre das atividades portuárias.
Somente nos últimos 12 meses, a cidade arrecadou R$ 1,09 bilhão em ISS – a previsão atualizada até o final do ano chega a R$ 1 bilhão, cuja receita corrente líquida (RCL) atinge a invejáveis R$ 3,351 bilhões até o momento.

Em fevereiro de 2024, a Câmara dos Deputados começará a discutir as leis complementares ao projeto do governo: hora dos deputados pressionarem por uma divisão mais justa aos municípios. Foto: Heloísa Cristaldo/Câmara dos Deputados
Leis complementares
“Somente com a discussão das leis complementares sobre a divisão dos valores dos impostos é que será possível fazer uma avaliação e projeção clara”, diz o jornalista, economista e especialista em Finanças Públicas, Fernando Wagner Chagas.
Ele participou do Jornal Enfoque desta sexta (21), onde analisou os impactos da proposta aprovada pela Câmara Federal no tocante à reforma tributária.
Conforme Chagas, após análise e provável aprovação pelo Senado, o projeto caminhará para sanção presidencial.
Apenas a partir de fevereiro de 2024 – na volta do recesso da Câmara Federal – é que os projetos de lei complementar – deverão ser cinco – serão analisados e discutidos.
E aí que haverá necessidade da participação dos deputados em busca de recursos para as cidades.
“Haverá pressão política para ver quem cede mais ou menos: União, estados e municípios”, avalia.
A estimativa inicial é que o novo índice de impostos fosse de 25%.
Ou seja, um produto de R$ 100,00 contaria com R$ 25,00 em impostos – a serem reservados à União, Estados e Municípios.
No entanto, diante de tantas concessões e abatimentos em diversas áreas, o cenário atual aponta para uma elevação para 28%.
Ou seja, para um produto que custa R$ 100,00, paga-se R$ 28 em impostos.
Caberá ao Senado rever alguns pontos e isenções para chegar a um meio termo, analisa Chagas.
Afinal, mantido o índice de 28%, conforme projetam alguns economistas, será o maior indicador percentual entre os países que adotaram este tipo de sistema de tributação.

Porto de Santos responde por mais de 60% de toda a arrecadação de ISS do Município. Foto: Divulgação/SPA
Favorável
Se Santos vai perder com a arrecadação do ISS, outra mudança poderá beneficiá-la.
Afinal, a proposta também altera onde o tributo é arrecadado.
Hoje, o imposto fica no local da produção.
A partir da reforma, ele será pago no destino, onde está o consumidor.
No caso do Porto, carga passa por aqui beneficiando a Cidade.
Afinal, quase 3 em cada 10 reais movimentados em exportações e importações passam por Santos.
No entanto, reconhece Chagas, não dá para cravar o percentual que o Município perderá ou não em arrecadação.
Prejuízos
No programa, ele fez a mea-culpa de ter estimado e conversado com profissionais da área de finanças da Prefeitura de que a Cidade perderia R$ 600 milhões, fato que chegou a ser divulgado pelo secretário de Finanças e presidente da Associação Estadual de Secretário de Finanças do Estado de São Paulo, Adriano Leocádio.
No início do mês, ele participou, ao lado do secretário de Finanças de Praia Grande, Cristiano Mola, do Jornal Enfoque (vide vídeo abaixo).
E falou da sua preocupação com a alteração.
“A tendência é os municípios perderem arrecadação, mas hoje não está claro”, reconhece.
Para tanto, ele cobra que os deputados – ‘já prefeitos e os que pretendem se tornar’ – pressionem por uma distribuição mais justa aos municípios na relação com os estados. (Do percentual a ser aprovado e definido nas leis complementares, uma parte irá para a União e a outra será dividida entre estados e os municípios).
Porém, Chagas reconhece que caso as cidades percam arrecadação em razão da mudança nas regras tributárias há a possibilidade dos prefeitos enviarem projetos à Câmara aumentando as alíquotas do IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano (este mantido com as cidades) como forma de compensação.
“Ou aplicar o índice cheio da Planta Genérica de Valores”, enfatiza. No caso de Santos, por exemplo, há um redutor aplicado no valor do imposto, atualizado apenas pela inflação oficial.
No entanto, ele desmente que prefeitos poderão aplicar mudanças no imposto sem o aval da Câmara.
“Qualquer mudança no IPTU continuará passando pelas câmaras”.

Fernando Chagas analisou os impactos que a reforma tributária poderá trazer aos municípios, mas disse que apenas as leis complementares poderão definir claramente os números. Foto: Carla Nascimento
Política
Cientista político, Chagas também ressalta que a entrada de dois partidos do Centrão ao Governo Lula será inevitável.
Ou seja, caso de Republicanos (41 deputados) e PP (49 parlamentares).
“O Governo Lula precisa de maioria na Câmara para aprovar seus projetos”, enfatiza.
E assim, o PSB, com apenas 15 parlamentares, mas três ministérios, deve perder uma das pastas.
“Certamente um ministério”, assegura.
E assim, nos bastidores de Brasília, a tendência é que Geraldo Alckmin deixe a pasta de Indústria e Comércio permanecendo como vice-presidente, abrindo espaço para Márcio França ocupar seu lugar.
Em troca, França deixaria o Ministério dos Portos e Aeroportos.
Alckmin, porém, tenta manter França na pasta.
Portanto, um representante do Republicanos ou PP, deputados Silvio da Costa Filho ou André Fufuca, ocupariam o posto.
Por enquanto, o Planalto nega esta possibilidade.
Além de Portos, corre risco também o Ministério dos Esportes, da ex-atleta Ana Moser, que poderá sair para dar espaço a um dos deputados.
Chagas, porém, não descarta a criação de um novo ministério para acomodar a ‘fome’ do Centrão.
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Eleições 2024
Dessa maneira, em âmbito local, ele reconhece que a tendência é o prefeito Rogério Santos sair do PSDB e migrar para o Republicanos, mesmo partido do governador Tarcísio de Freitas
“O PSDB perdeu densidade política e eleitoral”, lamenta.
No entanto, ele descarta uma possibilidade de terceira via nas eleições municipais do próximo ano.
Ou seja, a disputa será centralizada entre o prefeito Rogério Santos, candidato à reeleição, e a deputada federal Rosana Valle (PL), próxima ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
Ela entrou na política via PSB, graças ao apoio do então governador e atual ministro, Márcio França.
Assim, por ironia, hoje o partido compõe a base de apoio do governo Lula, inclusive com o vice, Geraldo Alckmin.
“Não há espaço para uma terceira via”, diz, ainda que o PT, PSOL e outros partidos lancem nomes na Cidade.
“A esquerda vai lançar para marcar posição e não perder densidade eleitoral, inclusive para garantir cadeiras na Câmara”, enfatiza.
Hoje, a esquerda conta com três representantes no Legislativo: Telma de Souza e Francisco Nogueira, ambos do PT.
Além de Débora Camilo, do PSOL, única representante da legenda na Baixada Santista.