“A Ômicron está realizando seu próprio lockdown”, alerta Miguel Nicolelis | Boqnews

Entrevista

28 DE JANEIRO DE 2022

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“A Ômicron está realizando seu próprio lockdown”, alerta Miguel Nicolelis

Pesquisador Miguel Nicolelis diz que nova variante está provocando o seu próprio lockdown em razão da velocidade da contaminação.

Por: Fernando De Maria

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Há meses, o neurocientista Miguel Nicolelis tem alertado sobre os riscos da Ômicron, contrariando a opinião de outros profissionais que vêem na nova cepa o fim da pandemia.

“A Ômicron não tem nada de leve pelo seu alto poder de transmissão”, alerta.

Ledo engano aos que pensam o oposto, na visão do especialista, um dos mais respeitados do mundo.

Afinal, os números crescentes comprovam que o médico está certo.

Infelizmente, a Covid-19, cujo reconhecimento oficial por parte da OMS – Organização Mundial de Saúde completou dois anos no último domingo (23), já matou 5,64 milhões.

E infelizmente, deixa  o Brasil – em termos oficiais – com o tétrico vice-lugar até agora no total de números fatais absolutos.

Estados e municípios têm registrado sucessivos recordes não só de infectados, mas de internações e mortes, que atingem principalmente – mas não apenas – aqueles não vacinados ou que não completaram as doses necessárias, inclusive a de reforço.

Crianças

Não bastasse, no meio da insensibilidade e demora do Ministério da Saúde em  agilizar a vacinação entre crianças, a situação também atinge esta faixa etária não só no Brasil, mas também no exterior.

“Moro há 32 anos nos Estados Unidos e nunca soube de explosão de internações de crianças em leitos de UTI”, revela o professor.

Dessa forma, no Brasil, levantamento do UOL revela que em sete estados a situação é crítica.

Além disso, alguns atingem 100% da capacidade para este público, como Maranhão, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Norte onde não existem mais vagas para UTIs pediátricas.

“Estudo mostra que 43% das crianças que tiveram Covid podem ter efeitos prolongados da doença 3 meses depois! Como voltar aulas assim?”, indagou no Twitter.

Em entrevista ao World Socialista Web Site (WSWS), Nicolelis foi direto: “Vivemos o pior momento da pandemia”. (acesse o link, em inglês).

Omicron: velocidade desta nova variante preocupa e lota hospitais.

Férias

Afinal, após quase dois anos de quarentena nos Estados Unidos, o professor passa suas merecidas férias no Brasil, em um belo prédio em frente à orla de Santos, no litoral paulista, cidade que frequenta desde a infância e a qual nutre paixão especial.

Ou seja para caminhar à beira-mar, seja para pedalar pelas ciclovias.

Aliás, a bela paisagem da orla santista o motiva a retomar um de seus hobbies: a pintura.

Palmeirense fanático, a ponto de destacar seu time do coração em suas redes sociais, e dar entrevistas para os mais variados veículos de comunicação – sempre de forma on line – muitas vezes com um boné na cabeça com o símbolo do clube, Nicolelis concedeu entrevista ao Jornal Enfoque – Manhã de Notícias no último dia 20.

Dessa maneira, na mais de meia hora de entrevista, o médico –  considerado um dos vinte maiores cientistas em sua área no começo da década passada pela revista de divulgação Scientific Americanfalou sobre os riscos da nova variante.

Além do Instituto Santos Dumont, no interior do Rio Grande do Norte, que ajudou a fundar e hoje é uma das maiores referências no País e na América Latina na área de neurociência.

Na entrevista, defendeu a necessidade de um lockdown por duas semanas para diminuir a onda crescente de infectados, internações e mortes.

Volta às aulas

Além disso, em especial, reforçou a necessidade de se adiar a retomada das aulas por uns 15 dias pelo menos para as crianças pelo fato de boa parte delas não estarem vacinadas – ou não terem completado o ciclo vacinal necessário até a retomada das aulas no início de fevereiro.

Afinal, os números crescentes de internações – inclusive de crianças – justificam a medida.

Em entrevista ao WSWS, ele lembrou que quando publicou tais opiniões nas redes, foi alvo de ataques – daqueles que não acreditam na vacina nem querem vacinar seus filhos.

No entanto, os números crescentes preocupam.

Portanto, para se ter ideia, em 10 de janeiro, o Brasil registrou 83.630 infectados e 115 mortes pela Covid (média semanal de 128).

Na última quarta (27), foram 229.702 casos confirmados (estima-se que os números reais sejam bem maiores) e 673 mortes (com média semanal de 416).

Vacinação em crianças começou apenas em meados de janeiro. Foto: Divulgação PMG

Sobre Ômicron, vacinação em crianças e volta às aulas…

Confira a entrevista concedida pelo professor aos jornalistas Humberto Challoub e Fernando De Maria, editores do Boqnews e do Jornal Enfoque – Manhã de Notícias.

Boqnews – Qual análise o sr. faz do avanço da Ômicron no Brasil e no mundo?

Miguel Nicolelis – O avanço foi surpreendente no mundo todo.

Números crescem na Europa e Estados Unidos não só em casos e hospitalizações, inclusive de crianças, como no Reino Unido e EUA.

Moro nos Estados Unidos há 32 anos e pela primeira vez ouvi falar das UTIs pediátricas lotadas, como no Texas e Flórida.

No Brasil, era esperada esta explosão, mas com o apagão de dados (do Ministério da Saúde em dezembro), isso atrapalhou o acompanhamento dos números.

E agora, estamos vendo esta explosão de casos absolutos por dia, como da média móvel.

Portanto, a transmissão do vírus está altíssima, acima de 5 a 6 vezes dos dados oficiais em número de infectados.

Desssa forma, a necessidade é imperiosa para você não sobrecarregar o sistema de saúde ainda mais que estamos brincando com a possibilidade de termos outro colapso, como em março e abril do ano passado.

Por isso, a prioridade deveria ser quebrar a transmissão do vírus, aumentando o isolamento social, evitando aglomerações como em estádios e shows para tentar reduzir este número.

Este é um vírus para não se ter.

Todas as indicações mostram os riscos não só da gravidade da doença, mas também das sequelas crônicas.

Assim, eu apoio a ideia de um lockdown por 2 semanas, pois existe a esperança que a Ômicron tenha um pico muito rápido e vá embora também de forma ligeira.

Precisamos aplainar esta tendência.

 

Professor Miguel Nicolelis defende o lockdown para evitar um novo caos no sistema de saúde nacional em razão da explosão de casos da Ômicron. Foto: Reprodução Jornal Enfoque/Manhã de Notícias

Boqnews – Com um eventual lockdown, como conciliar a economia das empresas com o avanço do vírus?

Miguel Nicolelis – O problema é que as pessoas se baseiam em narrativas, não em fatos.

A média móvel está crescendo no mundo.

Só nos Estados Unidos são mais de 3 mil mortes/dia (no último dia 27, foram 3.082 mortes, com média móvel de 2.500 nos últimos 7 dias).

Dessa maneira, os casos têm crescido e os números são subnotificados.

Portanto, não existem testes, pois estão acabando nos Estados Unidos.

Um instituto da Universidade de Washington avalia que o país registra 6 milhões de novos casos diários.

Assim, e no Brasil, algo em torno de 1 a 2 milhões de casos/dia (oficialmente, o País registrou hoje 228.954 casos confirmados)

Portanto, a situação não é tranquila.

Não existe sinal claro, cristalino, de que estamos entrando em uma endemia (que aparece apenas em determinados momentos).

Até provar ao contrário, nós temos que prevenir o total de infecções.

Se você tiver um número muito grande de pessoas com problemas agudos e, depois  crônicos, nenhum sistema hospitalar no mundo vai dar conta.

Desde o início da pandemia, defendo a preservação da vida, da saúde e minimizar os danos crônicos.

Assim, não existe sinal claro que a pandemia vai arrefecer imediatamente.

Nem com a Ômicron. Não dá para cravar.

Portanto, ainda estamos em uma pandemia.

Dessa forma, o nosso objetivo é evitar o dano humano que pode ser catastrófico para as próximas gerações.

Situação em 28 de janeiro

Boqnews – A exemplo de outras cidades, Santos tem registrado um aumento significativo de pessoas internadas, conforme divulgado pela prefeitura. Estamos já em uma nova onda?

Miguel Nicolelis – Na cidade de Nova Iorque, o número de pessoas internadas é 9 a 10 vezes maior entre não vacinados do que os vacinados.

A vacina foi a grande notícia de 2021.

Todavia, a narrativa que a Ômicron era mais branda, não se colocou como verdadeira, pois o número de pessoas infectadas é 4 a 5 vezes maior que as variantes anteriores.

Para pular de 60% para 90% é muito rápido.

É questão de dias. (Nota da Redação: nesta sexta (28), Santos estava com 68% dos leitos de UTIs ocupados – adultos e crianças, de um total de 117, sendo 57% na rede pública e 75% na rede particular).

Quando coordenava o comitê científico do Nordeste, eu via isso diariamente.

Portanto, o índice acima de 60% é preocupante, pois há claro risco de atingirmos patamar de 80% rapidamente e este é considerado um patamar crítico para UTI.

Não bastasse, enfrentamos o fechamento de leitos e profissionais de saúde doentes.

Em São Paulo, de 6 a 13 de janeiro, foram 3 mil médicos afastados.

Portanto, a Ômicron está realizando seu próprio lockdown.

Afinal, ela está infectando tanta gente, que várias atividades econômicas estão sendo paralisadas, ainda que com casos menos graves em razão das vacinas.

Setores hospitalar, aéreo, agências bancárias, entre outros, estão fechando temporariamente por falta de profissionais.

Nos Estados Unidos, faltam caminhoneiros para transportar mercadorias.

A Ômicron não tem nada de leve pelo seu alto poder de transmissão.

Boqnews – Em recente entrevista à rádio Bandeirantes, o sr. afirmou que há uma expectativa que até março, 3 bilhões de pessoas – pouco menos da metade da população mundial – será infectada pela Ômicron. O que pode ocorrer se a previsão se confirmar?

Miguel Nicolelis Estimativa do Instituto de Avaliação de Métricas da Universidade de Washington (Seattle)  avalia que o Brasil terá 2 milhões de infectados até março/dia.

Mas recente atualização em razão da alta de casos já mostra que poderemos chegar a 5 milhões/dia.

Assim, em tese, nossa subnotificação de casos pode chegar a 25 vezes do oficial, o que seria algo estratosférico.

A preocupação é maior com India, Paquistão e Bangladesh.

Se perder o controle da Ômicron na Índia, com 1,4 bilhão de habitantes, teremos 30 milhões de casos diários.

É aí que reside uma bomba-relógio para o planeta se nada for feito.

Converso com amigos e ex-alunos que trabalham na Universidade de Nova Delhi, na Índia.

A preocupação é que a Índia não tem como conter este tsunami, pois ela não tem o sistema de saúde público como o Brasil tem (SUS), por exemplo.

 

Boqnews – Recentemente, seguindo orientações do CDC americano (Centro de Controle e Prevenção de Doenças), o tempo de isolamento para pacientes com Covid diminuiu de 10 para 5 dias. Qual sua opinião sobre o assunto?

Miguel Nicolelis – Estudei na Universidade de São Paulo e sempre soube que canja de galinha nunca é demais.

Eu recomendo a quarentena de 10 dias, no mínimo.

O mundo está indo na contramão, reduzindo esta quarentena por causa de uma decisão do CDC americano, que nesta pandemia tomou decisões absurdas, como remover a obrigatoridade do uso de máscaras.

Quando o CDC reduziu no final do ano passado este prazo, uma colega da Unicamp identificou esta explosão de casos assintomáticos que puderam sair do isolamento já no quinto dia.

Infelizmente, esta decisão ocorreu por critérios econômicos.

Os EUA vive uma crise no setor de transporte e logística.

Pela primeira vez estão faltando alimentos nos supermercados, pois há uma explosão de caminhoneiros infectados.

Portanto, esta foi uma decisão baseada exclusivamente para devolver as pessoas para o mercado de trabalho mais rapidamente e não por critérios sanitários e epidemiológicos.

A prudência junto com a canja de galinha nunca fazem mal.

Assim, quem estiver com o vírus deve continuar com os 10 dias como tempo mínimo para uma quarentena.

 

Boqnews – Após muita demora por parte do Ministério da Saúde, finalmente as crianças estão sendo vacinadas. No entanto, estamos nos aproximando da volta às aulas tanto na rede pública como privada. Qual sua posição?

Miguel Nicolelis – A vacinação é a única arma para garantir que as nossas crianças não sejam infectadas. No Reino Unido e EUA, onde os dados são claros, houve uma explosão de internações de crianças.

Por questões políticas, no Brasil adiamos por 1 mês o começo da campanha de vacinação.

Estamos nos aproximando da volta às aulas.

E a vacina é a única garantia de proteção às crianças, seus parentes e professores, além dos funcionários nas escolas.

O cientista Miguel Nicolelis defende que as aulas sejam adiadas por, pelo menos, duas semanas. Foto: Divulgação

Boqnews – Na sua opinião, o início das aulas deve ser adiado?

Miguel Nicolelis – Na Espanha, quando tentaram iniciar as aulas, houve uma explosão de casos.

Assim como nas escolas de Ensino Médio no Reino Unido.

Algumas escolas não tinham classes para funcionar.

Acho que a prudência, a lógica e a racionalidade deveriam prevalecer, adiando o início das aulas em pelo menos duas semanas para vermos se a Ômicron terá uma subida estratosférica e queda também rápida.

Seria uma prudência, pois combinado com a vacinação em massa nas crianças, isso aumentaria as chances de protegê-las.

No Campus do Cérebro, no Nordeste brasileiro, o exemplo do potencial da Ciência brasileira que com mais apoio poderá oferecer ainda mais à sociedade. Foto-ASCOM-ISD

Sobre investimentos na área de C&T…

Boqnews – A pandemia mostrou a importância de se investir em Ciência e Tecnologia. O sr. se formou em Medicina na USP em São Paulo e depois criou sua carreira acadêmica nos Estados Unidos. Como o Brasil pode estimular à produção científica? E quais exemplos o Brasil poderia copiar dos EUA nesta área para que isso seja colocado em discussão durante a campanha eleitoral que se aproxima?

Miguel Nicolelis – Temos grande infraestrutura de capital científico humano, mas nos últimos cinco anos temos sentido um estrangulamento nos investimentos.

E isso asfixia e provoca um novo êxodo de jovens rumo ao exterior.

É trágico, triste e danoso.

Se o País não tomar providências a partir do próximo ano – pois não acredito que algo mude neste governo – para recuperar a confiança da juventude, vamos ter uma crise dramática na próxima década.

Se você não tem ciência, você não tem soberania.

Portanto, a questão das vacinas foi muito clara em relação a isso.

Afinal, o Brasil poderia ter desenvolvido a sua própria vacina.

Assim, temos condições em capital humano, conhecimento e até infraestrutura científica.

Mas não tivemos investimentos nem estratégias focadas.

Hoje, temos que nos contentar em fabricar vacinas criadas por outros países, o que é bem diferente de ter a sua própria.

Dessa forma, as plataformas dos candidatos nas eleições devem contemplar uma reforma no modo de fazer Ciência no Brasil.

Nos Estados Unidos, os jovens pesquisadores podem dar vazão à criatividade, sem amarras burocráticas.

Existem feudos, mas o problema na Ciência brasileira é a burocracia e a falta de liberdade que os jovens têm, esperando cerimônias oficiosas sem qualquer validade para a Ciência.

Portanto, é preciso democratizar, ampliar e libertar a Ciência brasileira das suas amarras tradicionais cartoriais.

O Brasil precisa de uma ciência forte, soberana e brasileira, sem copiar modelo de ninguém, mas de libertar a criatividade dos jovens brasileiros para a Ciência.

Instituto Santos Dumont

Boqnews – O sr. foi um dos responsáveis pela criação do Instituto Santos Dumont, no interior do Rio Grande do Norte, que hoje é referência na área. Qual o resultado deste trabalho, que recentemente teve o convênio com o Ministério da Educação renovado até 2030?

Miguel Nicolelis – O instituto completou 17 anos e fica em Macaíba, no interior do Rio Grande do Norte.

O Campus do Cérebro tem hoje uma das maiores infraestruturas e centros de saúde de Neurociência do Brasil e da América Latina, atendendo 50 mil gestantes e  bebês de alto risco por ano.

Durante 10 anos, tínhamos 3 escolas de Educação Científica para jovens e crianças no Rio Grande do Norte e Bahia.

Além disso, temos um instituto de pesquisa que produz ciência para o mundo afora.

Este é um dos grandes orgulhos da minha carreira acadêmica.

Não bastasse, provamos que do nada, no meio do mato, é possível mostrar que o talento brasileiro existe em qualquer lugar e a realidade é muito óbvia.

Quem puder, basta ver as realizações no nosso site (clique aqui).

 

Exoesqueleto

Boqnews – Durante a Copa do Mundo no Brasil, em 2014, o mundo assistiu a apresentação do exoesqueleto,  do projeto Andar de Novo, que permitiu que uma pessoa paraplégica pudesse chutar uma bola. De lá para cá, o que avançou?

Miguel Nicolelis – O projeto resultou em múltiplas publicações. Uma delas em 2016 foi a que provocou o maior impacto da Ciência brasileira. O nosso vídeo foi divulgado na Revista Nature e atingiu 100 milhões de visualizações.

Portanto, o protocolo está sendo usando por outros grupos com pacientes que recuperaram parcialmente sensações de movimentos.

Assim, o projeto demonstrou que quando você leva ciência à sociedade, você tem o apoio dela e assim você tem grandes resultados.

Em primeira mão, anuncio que vamos lançar até o final deste ano a segunda fase do projeto, que se chamará Trate 1 Bilhão (Treat 1 Billion), pois no mundo existe 1 bilhão de pessoas que sofre de alguma moléstia no cérebro.

Dessa forma, a nossa interface máquina-cérebro abre a possibilidade de atender a vasta maioria de pacientes com problemas neurológicos ou até psiquiátricos.

Assim, o lema Treat 1 Billion será o que irá guiar a segunda etapa do projeto Andar de Novo em nível mundial.

Confira o programa completo na Boqnews TV

 

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