Uma criança de 8 anos pede socorro e tem pensamentos suicidas.
Uma adolescente de 12 anos tem unhas compridas, ainda que a contragosto, apenas para poder arranhar sua perna em momentos de pensamentos negativos.
Casos assim fazem parte dos atendimentos que a psicóloga Mariângela Fortes realiza em seu consultório.
E os números só crescem.
“Impressiona o aumento de crianças que se automutilam. Ou seja, como a dor interna é tão grande, elas se cortam e arranham para provocar uma dor ainda maior e assim abafar a dor emocional”, relata.
A profissional participou do Jornal Enfoque desta quinta (14) quando tratou do tema, dentro da reflexão sobre o Setembro Amarelo.
A constatação diária no seu consultório tem respaldo nos números em tentativas de suicídios em Santos, no litoral paulista.
Balanço da Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Saúde de Santos com dados dos últimos cinco anos (2017 a 2021) mostra claramente este crescimento.
Os dados de 2022 ainda não foram finalizados.
Os números cresceram de 51 casos em 2017 para 265 em 2021 – ou seja, cinco vezes mais no período.
Em 2017, foram 51 tentativas; 2018, 106; 2019, 211; 2020, 144 e 2021, 265.
A ampla maioria das tentativas decorre de intoxicação exógena – onde o uso de medicamentos em excesso motiva a (s) tentativa (s).
Afinal, em Santos, entre 2017 a 2021, 7 em cada 10 vítimas de intoxicação exógena (1.119 casos), ou seja, com contato com agentes tóxicos, visaram o suicídio.
As maiores vítimas são jovens, de ambos os sexos, de 20 a 29 anos.
Em 2021, esta faixa etária representou 1/3 (32,83% do total de 265 casos).

Psicóloga Mariângela Fortes falou sobre o crescimento dos problemas de saúde mental na sociedade durante participação no Jornal Enfoque. Foto: Carla Nascimento
Suicídios
Assim como o número de tentativas de suicídio cresce, o total de mortes por esta razão também.
Era estável até 2021 – média de 24/ano – ou uma a cada quinzena -, mas registrou alta no ano passado, chegando a 31 mortes, sendo que os adolescentes representaram 10% deste universo e os idosos, 22,5%.
2022 – 31 suicídios
2023 – 18 suicídios
Não bastasse, existem situações onde não é possível assegurar se houve suicídio ou não.
Casos de acidentes de trânsito, por exemplo, com uma vítima.
A psicóloga explica que as crianças e jovens dão fortes sinais de que as coisas não andam bem.
“Família não é apenas sentar na mesma mesa e estar presente, mas estar presente na vida destas pessoas”, salienta.
Aliás, a maioria dos pais que levam seus filhos para atendimento evitam falar que a criança ou adolescente pensa em suicídio. “90% não dizem”, afirma.
Assim, os filhos dão sinais de que estão pedindo ajuda, cabendo aos pais garantir uma atenção especial para evitar que a situação se agrave.
“Estejam presentes com olhos de enxergar a realidade”, salienta.
Afinal, a quantidade de crianças com diagnóstico de depressão e já tomando medicamentos “é enorme”, enfatiza a profissional.
“A depressão é uma construção. Às vezes, começa com uma ansiedade, uma birra”, acrescenta.
Pandemia
A pandemia que atingiu o mundo, especialmente entre os anos de 2020 e 2021, contribuiu para o aprofundamento dos problemas de saúde mental na população.
“Antes, as pessoas tinham uma vida normal e foram obrigadas a conviver com outras. As pessoas descobriram que conviviam com outras, mas não sabiam quem elas eram”, salienta.
Não à toa, o volume de divórcios explodiu.
Em 2021, chegaram a 80.573, contra 77.509 no ano anterior.
Ou seja, o maior volume desde 2007, quando o levantamento iniciou.
A profissional salienta que a sociedade vive uma crise familiar, de forma geral.
E salienta algo que cabe aos pais assumirem.
“Para quem tem filho, a responsabilidade é sua e não dos avós, madrinhas ou padrinhos”, destaca.
Mariângela também salienta a explosão de casos de Síndrome de Burnout, quando ocorre o esgotamento emocional.
“Vivemos o mundo do ter, na sociedade do espetáculo”, lamenta.
Ela cita casos de funcionários de agências bancárias, por exemplo, que saíram exauridos do local de trabalho de ambulância.
“Alguns não conseguem nem passar na porta da empresa onde trabalhavam”, diz.
“E tem as que exigem metas dos funcionários para ganhar bônus e assim fechar o mês”.
8 casos no mesmo local
Dessa forma, Mariângela lembra que recentemente foi convidada a fazer palestras em empresas da região e se deparou com uma situação preocupante.
“Em uma delas soube que 8 funcionários haviam se suicidado em um mês”, recorda.
“Às vezes, o motivo não está na empresa, mas em casa. Cada ser humano é um mundo acontecendo lá dentro. Como posso ajudar este colaborador? Não é um assunto simples”, reconhece.

Para a psicóloga, o tratamento que os filhos dão aos pais acaba se refletindo nas atitudes dos netos. Foto: Divulgação
Idosos
Mariângela também lembra que muitas vezes os filhos deixam de lado os pais idosos e não ouvem seus anseios.
“Solidão é diferente de solitude“, salienta.
Ou seja, ela enumera várias perguntas que devem ser feitas por um filho em relação ao pai ou mãe idosos.
“Vc sabe o que ocorre com ele (a)? Ele está bebendo água? O que ele (a) quer? Ele não quer apartamento ou outros bens, mas o mínimo de conforto e sua atenção”, salienta.
E ressalta que os filhos notam como os pais cuidam dos seus avós.
“Filhos sois, pais sereis. O filho não aprende o que você fala, mas com seu exemplo”, salienta.
Confira o programa
Assista o programa na íntegra