Uma tragédia sem precedentes e a maior deste século na Baixada Santista.
A forte chuva iniciada na noite de segunda-feira (2) deixou a Baixada Santista em situação de emergência.
Até a publicação da reportagem (19h desta sexta, dia 6), o temporal já havia provocado a morte de 32 pessoas, sendo 26 em Guarujá; 4 em Santos e 2 em São Vicente.
Além disso, o número de desaparecidos chega a 46, com maior parte também em Guarujá.
No Morro São Bento, em Santos, ainda não contabilizados como mortos. Mas como desaparecidos, conforme contagem oficial, está uma família, onde apenas o corpo de um homem já foi encontrado.
Sua companheira e três crianças menores, de 14, 8 e 4 anos, também faleceram.
Há muito tempo não haviam registros de tantas mortes por conta de chuvas, seguidas de deslizamentos na região.
Uma das explicações da tragédia é o aumento das moradias irregulares ao longo dos anos.
Sem condições financeiras e falta de informação, além de exploração de terceiros com interesses econômicos e políticos, muitas famílias optam por morar em locais íngremes nos morros.
Segundo o arquiteto e urbanista, Rafael Ambrosio, é necessário que existam planos para que isso não volte a acontecer.
“Um dos projetos fundamentais que precisa sair do papel é o Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado da Baixada Santista (PDUI/BS), instrumento legal que estabelece, com base em processo permanente de planejamento, as diretrizes e as ações para orientar o desenvolvimento da Região Metropolitana”, defende.
Ele também ressalta que a aprovação do PDUI, ferramenta fundamental para planejar ações de médio e longo prazos pelos governos estadual e municipais integrantes da Baixada, “infelizmente está paralisada”.
Para a geóloga Cassandra Maroni, a concentração de chuva ao longo de fevereiro e nos primeiros dias de março não é comum, mas já ocorreu outras vezes e a tendência é que temporais como o da última semana sejam mais recorrentes, com menor espaçamento de tempo entre eles.
Áreas de Risco
Alguns dos dados disponibilizados pelas prefeituras das três cidades atingidas superam uma década, mas já mostravam que são milhares as moradias em áreas de risco apenas nestas cidades.
Em Guarujá, o número de moradias em más condições chegava a 34 mil em 2009 (último levantamento), abrangendo cerca de 140 mil pessoas – quase 40% da população.
Já em Santos, são 11 mil moradias em áreas de risco, representando cerca de 45 mil pessoas – algo em torno de 10% da população. Em São Vicente, a prefeitura divulgou que são 112 moradias em situação de risco. Ou seja, cerca de 450 moradores.
Alerta
A tragédia já tinha dado sinais no mês passado. A Defesa Civil de Santos alertou o risco de deslizamento nos morros.
Além disso, de acordo com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), 14 plataformas de sensores indicavam a possibilidade de deslizamento devido a saturação do solo.
Um dia antes do acontecimento, o Cemaden publicou um comunicado e um infográfico com dados geo-hidrológicos da região. “Para a Baixada Santista e Litoral Norte de São Paulo considera-se Muito Alta a possibilidade de ocorrências de deslizamentos de terras. Nestas localidades, a previsão indica possibilidade de acumulados bastante expressivos”.
Dos três municípios mais atingidos pelo temporal, apenas Santos recebe o monitoramento do Cemaden, Guarujá e São Vicente recebem um comunicado de alerta.
Segundo o secretário-adjunto da Defesa Civil e Convivência Social de Guarujá, Carlos, Eduardo Smicelato, o volume de chuva foi totalmente inesperado.
“O fator que o Cemaden está citando a ocorrência tem relevância, mas não é preponderante. O importante seria o acúmulo de chuvas registradas pelos pluviômetros espalhados ao longo dos 17 pontos do município de Guarujá”.
A Prefeitura de Santos informou que os moradores recebem visitas técnicas e orientações da Defesa Civil regularmente sobre os riscos de deslizamentos.
Já a Prefeitura de São Vicente destacou que acompanha as notificações oficiais e segue à risca todas as orientações com os órgãos oficiais. Ainda na noite de domingo (1), todos os profissionais estavam em prontidão.
Autoridades
O governador do estado de São Paulo, João Doria esteve na região na terça-feira (3) e quinta-feira (5).
Ele sobrevoou de helicóptero as áreas atingidas e anunciou um plano de ‘Aluguel Social’ para os desabrigados, onde o estado vai arcar com 50% e a outra metade ficará sob responsabilidade das prefeituras, além da verba de R$ 50 milhões para as cidades atingidas.
Solidariedade
É no momento de dor que muitas vezes aparece a maior forma de solidariedade e ajuda entre as pessoas.
Posteriormente, poucas horas depois do temporal, já com notícias de vários mortos e desabrigados a população da Baixada Santista se uniu para arrecadar alimentos, roupas e produtos de higiene para os afetados.
A grande mobilização conta com a participação de igrejas, ONGs, universidades, associações, sindicatos, shoppings, entidades, escolas de samba, igrejas católicas e torcidas organizadas.
Além disso, os municípios deram abrigos aos desabrigados. Os Fundos Sociais de Solidariedade também são pontos de arrecadação de mantimentos.
Em Santos, foram arrecadadas 1 tonelada de alimento, 50 mil peças de roupa, 10 mil litros de água e 10 mil itens de higiene pessoal em apenas um dia.
Entretanto, ainda é possível doar mantimentos para as instituições que ampliaram os trabalhos ao longo da semana.
Heróis
A Defesa Civil e o Corpo de Bombeiros ainda buscam por desaparecidos na região. O trabalho começou nos primeiros momentos no temporal.
Nos morros, a chuva no dia seguinte da tragédia atrapalhou ainda mais o processo por busca pelas vítimas. No entanto, os bombeiros não pararam de atuar mesmo com as péssimas condições climáticas.
O reconhecimento do trabalho da corporação veio através do apoio da população nas redes sociais. Milhares de pessoas usaram o termo ‘heróis’ para descrever o trabalho do Corpo de Bombeiros.
Em Guarujá, dois bombeiros morreram enquanto tentavam salvar a vida dos moradores no Morro do Macaco Molhado. Marciel de Souza Batalha e Rogério de Moraes Santos foram soterrados após o deslizamento de terra durante a madrugada.
Há 64 anos
Em 1956, a região viveu uma situação parecida, com o deslizamento de terra no Morro Santa Terezinha, em Santos, que deixou 22 mortos. O episódio ocorreu no dia 1 de março, enquanto desta vez foi no dia seguinte (2)