A decisão do Governo estadual de assassinar e enterrar o projeto de implantação do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) apenas confirmou que a ideia jamais conseguiu sair da abstração. O VLT engrossou a lista das lendas urbanas, que causam adoração e temor em muitos segmentos da região.
As lendas urbanas são uma expressão cultural norte-americana, consolidadas e difundidas principalmente pelo cinema. Lendas urbanas não servem para explicar o mundo que nos cerca. Mas podem ilustrar e expor como alegorias nossos piores medos.
A Baixada Santista teme jamais abdicar de suas amarras provincianas. A proximidade com o maior centro político e econômico do país realimenta o sonho da vida cosmopolita. O problema reside em abrir mão dos confortos e dos privilégios que a Síndrome de Sucupira nos fornece.
A classe política, muitas vezes adepta do provincianismo como garantia de poder, explora os receios e as angústias locais via linguagem do progresso. Nada diferente da filosofia que fez escola, por exemplo, com Adhemar de Barros e Paulo Maluf. Grandes obras, nesta lógica, representariam a mudança radical de destino, aquilo que a região poderia ter sido.
A Ponte Santos-Guarujá, como legítima lenda urbana, está no projeto há mais de meio século. O discurso vigente prega que a ponte seria a solução definitiva para a travessia entre as duas cidades. Ações menos megalomaníacas, como ampliação do serviço de balsas e planejamento do trânsito, são tão irrelevantes assim?
Toda lenda tem um caráter mágico. O ilusionismo é o combustível que cristaliza a fantasia e a distancia de uma realidade concreta e sensata. O então candidato à presidência José Serra, no ano passado, vestiu a cartola e apontou a varinha de condão para o litoral quando inaugurou a maquete da ponte. Pelo menos, houve serventia ambiental. Os materiais que compõem a maquete podem ser em parte reciclados.
Neste jogo de cena, representamos os personagens de Esperando Godot, peça escrita pelo irlandês Samuel Beckett. Somos os dois sujeitos que aguardam por alguém sem saber o motivo. Esperamos o que e quem não conhecemos.
Sem ter ideia do porquê, empacamos pela expectativa e pela esperança. Acreditamos, às cegas, no novo, embora sejamos incapazes de defini-lo.
Na Baixada Santista, Godot se esconde nas lendas urbanas que, assim como ele, jamais se farão presentes em carne, osso e obra concluída. Godot, para se eternizar, apenas muda de feições na nossa imaginação. O sonho se desloca, no jogo político, para não sair da inércia.
A Baixada Santista, parafraseando o Brasil, é pintada como o símbolo do futuro. O cenário perfeito para Godot, um camaleão de terno, gravata e mandato de quatro anos. Ele, que interpretou nos últimos 15 anos o Ceasa regional, o aeroporto metropolitano, o parque da Xuxa, o VLT e a ponte entre Santos e Guarujá, para elencar seus principais trabalhos.
Hoje, a classe política reescreve o texto de Beckett quando joga as nossas fichas no pré-sal. Nossas porque políticos não assumem eventuais equívocos para construir uma lenda. Quanto tempo esperaremos se o futuro sequer foi esboçado no horizonte ou no fundo do oceano?
Tenha a certeza de que, entre promessas e projetos, o mágico nunca erra o número. Foi você que não compreendeu o truque.
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