Os brasileiros já se acostumaram a falar em “refil”, aportuguesamento do verbete inglês “refill”, que significa o conteúdo a ser substituído em recipientes que não precisam ser descartados.
Só que para pessoas, não é possível operar essa substituição.
Penso nas mortes recentes do Papa Francisco e de Sebastião Salgado.
Quem os substituirá? São pessoas insubstituíveis.
O Papa morreu triste, por não ter conseguido a paz entre Rússia e Ucrânia, Hamas e Israel e no Sudão. Mas ele tentou.
Viajou a lugar de conflitos, encetou toda a sua autoridade para pedir juízo aos beligerantes. Não adiantou.
Sebastião Salgado enfrentou lutas diversas. Eternizou, na criatividade mágica da fotografia, imagens que evidenciaram os maus tratos infligidos à natureza e aos humanos que a integram.
Não se cuida de assunto distinto: seres humanos vivendo em condições indignas e o resultado da relação conflituosa entre humanidade e natureza.
De tanto fotografar misérias, era um pessimista em relação à humanidade.
Mas um otimista quanto ao planeta. Afirmava: “O planeta vai se recuperar. Está cada vez mais fácil para o planeta nos eliminar”.
É isso que a maior parte dos ditos eruditos, dos cultos, dos poderosos, tem negligenciado: não é o planeta que corre perigo. É a humanidade, que não soube cuidar dele e já está pagando o preço por isso.
Duas pessoas éticas e resistentes. Eram vozes respeitadas.
A serenidade e mansidão do Papa, que sabia provocar os fariseus, “esta raça de víboras” que continua a se espraiar pelo mundo.
E a força das fotografias de Sebastião. Ambos deixam legado. Francisco, ao publicar a Encíclica “Laudato Si”, fez mais pela natureza do que muitos outros, bons no discurso, mas medíocres na prática.
Sebastião e sua mulher Lélia vivenciaram a ética ambiental, com a fundação do Instituto Terra em Aimorés, Minas. Referência internacional em restauração ambiental.
Sebastião fotografou em branco e preto, mas na vida real, venerava o verde.
Fazem falta e continuarão a fazer, Bergoglio e Salgado. Para gente desse quilate, não há nem haverá refil.
José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário-executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo.
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