A lei não é igual para todos | Boqnews

Opiniões

11 DE ABRIL DE 2017

A lei não é igual para todos

Por: Fernando De Maria

array(1) {
  ["tipo"]=>
  int(27)
}

O chocante impacto registrado em câmeras de segurança de um centro comercial na Avenida Epitácio Pessoa, no Bairro da Aparecida, em Santos, que provocou a morte do jovem Matheus da Silva Nascimento, de 17 anos, atropelado por outro jovem três anos mais velho, cuja imagem revela a alta velocidade do BMW 1994/1995, placa BIA-2015 (simbólica, aliás) no último domingo à tarde, reflete não só a violência no trânsito santista, mas também a diferença social que ceifa cada vez pessoas e estraçalha famílias inteiras.

Infelizmente, não são poucos os casos de pessoas com sobrenomes conhecidos na Cidade, Estado e no País que acabam não tendo o mesmo tratamento de motoristas com sobrenomes comuns que cometem infrações graves. Ou não, mas ganham as páginas policiais e acabam sendo condenados justamente na maioria das vezes. O problema, no entanto, está (ou não) no tamanho da pena está no sobrenome que carregam.

Vide o caso do empresário Thor Batista, filho do ex-bilionário Eike Batista, que atropelou e matou um ciclista na estrada Rio-Petrópolis em 2012. Condenado em primeira instância, teve a pena revertida e inocentado. À família da vítima, só restou o choro e a certeza da impunidade.

O  jovem motorista da BMW em Santos, cujo nome não foi divulgado, mas seria filho e neto de uma família conhecida e abastada na Cidade, frequentadora de colunas sociais, foi blindado à Imprensa para evitar a exposição. Sabe-se apenas que seria atleta profissional de um time na Capital.

Por ironia,  a vítima, fanático torcedor do Santos FC, acompanhava o padrasto em seu carrinho de bebidas na praia, após garantir uns trocados extras em um domingo ensolarado de outono. Já havia combinado com amigos que iria ao Pacaembu para assistir o jogo do seu time do coração contra a Ponte Preta.

Sequer imaginaria o triste e violento fim que o destino lhe reservava naquela fatídica tarde dominical. O minuto de silêncio em sua homenagem antes do jogo deveria servir como alerta para a sociedade que não pode nem deve se calar diante de tantas injustiças.

Por fim, o padrasto, também atingido, sofreu ferimentos leves no corpo, mas jamais esquecidos na alma.

O episódio, infelizmente, é mais comum do que a gente possa imaginar. Afinal, quem tem condições financeiras, consegue contratar advogados criminalistas a peso de ouro que – diante de tantas brechas legais – permitem empurrar literalmente com a barriga qualquer condenação. Exemplo do empresário santista, que atropelou e matou a jovem Bruna Pontes, de 25 anos à época, em 2010.

Somente agora o cidadão foi condenado, mas o advogado recorrerá da decisão. E a angústia da família, ceifada pela perda da jovem moça, que estava na garupa da moto com o namorado e foi arremessada em razão do choque do veículo do empresário? Terá que esperar ainda mais por justiça. Se é que ela virá algum dia, pelo menos enquanto eles estiverem por aqui…

Triste é o ouvir o argumento da defesa em dizer que o cidadão passou mal e seguiu viagem, não tendo percebido que havia cometido aquela tragédia. Peritos, porém, o desmentiram. O teor alcoólico do motorista estava vários degraus – e graus – acima do tolerável.

Tragédias de 2016

O episódio da alta velocidade da BMW relembra o da mãe que fora comprar um bolo para a filha de 5 anos comemorar no dia seguinte na escola em um domingo à noite em maio do ano passado, pouco depois do Dia das Mães?

No caminho, ela, que deixou também uma recém-nascida , se deparou com um motorista em alta velocidade no cruzamento das ruas Armando Salles de Oliveira e Alexandre Herculano, no Boqueirão, cujas informações registradas por radares mostram que ele havia saído de Sorocaba, no interior paulista, duas horas antes. Uma distância de quase 200 quilômetros em duas horas: média de 100 km/hora, inclusive no trecho urbano. Algo típico para quem gosta de velocidade.

Enfim, uma vida ceifada e o motorista, também de sobrenome da classe mais abastada, circula por aí como se nada tivesse ocorrido. A única mudança é que a CET implantou uma rotatória no local. Pelo menos, os acidentes devem ter diminuído. Um símbolo pela inconsequência dos cidadãos e inoperância do Estado.

E o acidente que vitimou Patrick da Rocha Cerodio, em julho passado, que estava no banco do passageiro, teve o braço decepado pelo choque, mas não resistiu aos ferimentos da violenta batida na Avenida Washington Luis? Após o impacto, as câmeras filmaram o motorista tirando do porta-malas – seria bebida alcoólica? – e fugiu do local, deixando o amigo à mercê da sorte. Até hoje, o caso permanece na mesma. Vida que segue?

Advogado de peso

Até o ex-goleiro Edson Cholbi do Nascimento, o Edinho, foi acusado pelo atropelamento fatal de um aposentado em 1992. Suspeitava-se a participação de um racha na Avenida Epitácio Pessoa, na madrugada de 24 de outubro. A exemplo do seu colega, Marcilio José Marinho de Melo, ambos foram condenados a seis anos de prisão, em regime semi-aberto.

Mas em setembro de 2004, o Tribunal de Justiça de São Paulo anulou a condenação de Edinho e decidiu que ele seria julgado novamente. O jogador foi defendido por Antonio Claudio Mariz de Oliveira, ex-secretário de Segurança Pública de São Paulo (governo Quércia), que chegou a ser cotado como ministro da Justiça, com a saída de Alexandre de Moraes ao Supremo Tribunal Federal, em fevereiro passado. Gente de honorários de grosso calibre.

Enfim, casos não faltam para exemplificar que as leis têm entendimentos diferentes em um país com tanta distância social.

Aos mais abastados, há a sensação do vale-tudo. Basta contratar um advogado renomado que saberá percorrer as brechas que a legislação lhe permite para defender seu cliente.

Aos mais pobres, resta chorar pelos seus entes queridos ou – se for o responsável pela tragédia – pagar pela pena devida.

Algo que deveria ser igual a todos, mas, na prática, a realidade é bem distinta.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Notícias relacionadas

ENFOQUE JORNAL E EDITORA © TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

desenvolvido por:
Este site usa cookies para personalizar conteúdo e analisar o tráfego do site. Conheça a nossa Política de Cookies.