Na última semana, o brasileiro acompanhou algo inusitado – o esforço dos parlamentares em votar a MP dos Portos em um tempo recorde. Uma sessão na Câmara dos Deputados durou 23 horas, sendo a mais longa desde 1991. No Senado, o mesmo estilo fast-food – a análise, discussão e aprovação do texto demorou oito horas – , pouco antes do fim do prazo para a proposta do governo não voltar à estaca zero.
Aliados já davam como certa a derrota, mas o PMDB – sempre ele – refratário ao projeto originalmente conseguiu deslanchar o texto até sua aprovação definitiva. Certamente, diria um ex-presidente, nunca neste País o povo assistiu os políticos trabalharem tanto em prol de um projeto de interesse público. Público?
O conceito sobre o que é público ou privado vem de Platão, que considerava a Verdade e a Justiça sucedâneas do Bem. A esfera do que é público, portanto, na visão do filósofo, está na confiança da comunidade à administração do bem comum a pessoas sensatas, eficientes e que dediquem ademais um cuidado especial à comunidade.
Na teoria, os conceitos de Platão são perfeitos. Afinal, todos os eleitos representam os interesses coletivos de seus representados. Na prática, porém, os interesses privados se sobrepõem à coletividade. E esta votação foi uma prova inequívoca de como isso ocorre.
Afinal, a maioria dos parlamentares em Brasília sequer conhece um porto, algo comum para quem aqui reside. Mesmo assim, discutiam, alguns com ênfase surpreendente, sobre os destinos do Brasil e a necessidade da aprovação do projeto governamental. Nos bastidores, porém, os interesses particulares ganhavam espaço, ainda mais em decorrência da forma desastrosa que o Governo lidou com tão delicada questão.
Afinal, no processo de negociação com os congressistas, o governo aceitou a liberação de R$ 1 bilhão para atender as emendas parlamentares, prometeu cargos federais (mais ainda!) e pediu que sua tropa de choque atropelasse os prazos regimentais. Sem dúvida, a fatura pela vitória será cobrada.
Não bastasse, os lobbies de empresas do setor portuário foram determinantes. De um lado, empresas que hoje operam portos públicos, como Santos Brasil e Libra Terminais, e do outro as que querem entrar no setor atuando como terminais privados, com menos burocracias e encargos trabalhistas, provocando diferenças entre os que já estão instalados e os novos, capitaneados pelo empresário Eike Batista, da LLX, que investe em seu porto particular (Porto de Açu), e a Embraport, pronta para operar no cais santista. Será a entrada do grupo Odebrecht, poderoso na construção de edifícios, hotéis e estádios, no ramo portuário. Uma verdadeira guerra de titãs.
Enquanto isso, o povo a qual os governantes deveriam realmente se preocupar, conforme Platão, assiste passivamente a tudo pela TV. Nada mais atual que a frase do jornalista Walter Lippmann, autor do livro Opinião Pública, de 1922. O mundo com o qual devemos nos envolver politicamente está fora do alcance, fora do campo de visão, indisponível à mente. Os políticos e lobistas que o digam.
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