Em 21 de fevereiro, Araraquara, cidade com pouco mais de 230 mil habitantes no interior paulista, se antecipou a uma decisão que muitos municípios, como a Baixada Santista, e estados só agora estão seguindo: o lockdown.
Até dezembro, a cidade era referência no tratamento da doença, recebendo elogios até da imprensa internacional, como do famoso jornal francês Liberation.
Internação precoce para pacientes com comorbidade, vulnerabilidade e idade acima de 45 anos, além de testagem de ouro (PCR), em parceria com a Unesp local, em todos os pacientes que apresentavam algum sintoma suspeito da Covid-19 foram as ‘chaves’ para o sucesso.
A prefeitura, por meio da Secretaria de Saúde, se reuniu com todas as lideranças da área da saúde e universidades locais para agilizar a aplicação dos testes e preparar a cidade para enfrentar a pandemia.
Em novembro, o Boqnews também entrevistou a secretária, que falou sobre a confortável situação na ocasião (vide link)
Afinal, a cidade fechou o ano de 2020 com 98 óbitos e cerca de 3 mil casos confirmados ao longo de 2020, um case de sucesso diante de uma pandemia.
Pós-festas
No entanto, com as festas de final de ano surgiram os problemas, até então desconhecidos.
E a situação começou a fugir do controle.
Afinal, a cidade que até então era referência ganhou o noticiário nacional em razão da identificação das novas cepas da Covid, provenientes de Manaus.
Assim, os casos explodiram.
“Em razão das festividades de dezembro, começamos a perceber um crescimento assustador de casos a partir de janeiro, com elevação da taxa de ocupação de leitos e colapso no sistema de saúde”, lembra a secretária de Saúde do município, Eliana Honain.
Assim, se desde o início da pandemia até dezembro passado, a cidade registrou 98 óbitos para a Covid-19, hoje o município conta com 315 – ou seja, 217 mortes a mais em menos de três meses – alta de 221%.
Por meio de parceria com a Faculdade de Medicina da USP, a surpresa e a triste constatação.
Pelo menos 93% dos novos infectados estavam com a nova variante brasileira, oriunda de Manaus, com alta taxa de transmissibilidade.
“Ela tem uma taxa de 1 para 6, ou seja, cada infectado pode transmitir para seis novos pacientes. Enquanto na primeira, esta taxa é 50% menor”, salientou.
A secretária também destacou uma mudança no perfil dos internados e nos óbitos.
No ano passado, apenas 4 dos 98 mortos pela Covid-19 tinha menos de 60 anos.
Agora, são 40% do total de 217 vítimas fatais até hoje (24).
“No ritmo do crescimento dos números só tínhamos duas alternativas: vacinar a população, que era inviável pelas dificuldades de se encontrar vacinas, ou implantar o lockdown. E foi isso que fizemos com o aval do prefeito (Edinho Silva – PT)”, declarou.

A secretária de Saúde de Araraquara Eliana Honain foi ameaçada por tomar medidas rígidas que acarretaram no lockdown no município. Os números hoje mostram que a medida foi acertada. Foto: Divulgação
Como foi?
Assim, no dia 21 de fevereiro, ou seja um mês antes das cidades da Baixada Santista, Araraquara decretou seu lockdown.
“Enfrentamos resistências, mas o apoio da população foi enorme”, declarou Eliana, que sofreu ameaças em razão da sua iniciativa.
Ela mesmo tomou cuidados pessoais, assim como o resguardo garantido pela própria Prefeitura local.
O lockdown durou 14 dias, incluindo fechamento de supermercados por 4 dias seguidos, com paralisação total do transporte público durante este período.
Por sua vez, na Baixada Santista, o transporte municipal definido por cada cidade tem funcionado em horários específicos e não funcionará nos finais de semana e feriados até 4 de abril.
Em Santos, a prefeitura recuou e vai colocar ônibus à disposição nos finais de semana para profissionais que atuam na área da saúde.
Os supermercados, padarias e açougues fecharão nos finais de semana e feriados, fato, aliás, criticado pelo governador João Doria durante a coletiva desta quarta (24)
“Apenas serviços de saúde e farmácias podiam funcionar”, lembra a secretária.
Os resultados vieram semanas depois.
Se antes, a cidade registrava uma média de 200 casos positivos diários, hoje este número caiu para 80, parte também em razão da penitenciária da cidade, onde os presos são testados diariamente com o PCR e vive um surto da doença.
“Antes, 53% das amostras coletadas eram positivadas. Hoje, são 10%, comemora.
Como reflexo, houve uma redução de 39% nas internações de moradores da cidade.
A ocupação dos leitos hospitalares ainda preocupa, mas a secretária ressalta que a metade dos internados são de cidades vizinhas, em razão de Araraquara ser um polo regional – a exemplo de Santos.
Atualmente, segundo a secretária, a taxa de ocupação de leitos é de 69% nas enfermarias e 84% nas UTIs.
“Estamos comprovando que o lockdown é uma medida de sucesso”, salientou.
Ela salienta, porém, que se os números voltarem a subir, novos lockdowns voltarão a ser realizados.
“Se os números crescerem, não teremos medo de fazê-los novamente”, acrescentou.
Ministro
Por sua vez, em sua primeira apresentação oficial como ministro da Saúde, o médico Marcelo Queiroga enfatizou que esta possibilidade (lockdown) está distante de ser implantada no País.
“Vamos fazer todas as medidas para evitar isso, como o incentivo do uso de máscaras e defender o distanciamento social”, salientou.
“Vamos tentar disciplinar para que evitemos o lockdown“, acrescentou durante a coletiva.
Confira a entrevista com a secretária de Saúde