Sociedade Hipócrita?
O título desta reportagem remete a uma indagação constante da advogada e pesquisadora da UniSantos, Patrícia Gorisch, atualmente presidente Nacional da Comissão de Direito Homoafetivo do Instituto Brasileiro de Direito de Família e coordenadora da Comissão de Diversidade Sexual da OAB/Santos. “Tenho orgulho de falar que a Cidade é revolucionária na Lei Áurea, por exemplo, quando dois anos antes já tínhamos abolido a escravatura, porém na questão do preconceito – principalmente aos homossexuais – mesmo nos dias atuais – continuamos homofóbicos. Será que somos santistas hipócritas?”, indaga.
Estima-se que 10% da população mundial se insira em uma das letras GLBT (gays, lésbicas, bissexuais e transsexuais). E o preconceito não atinge apenas a Cidade, que já foi considerada a mais homofóbica do País, em 2011, mas de todo o Brasil. Apenas em janeiro deste ano foram assassinados 42 LGBTs, ou seja, uma média de um a cada 18 horas.
Realidade que, de acordo com o próprio Relatório Anual de Assassinato de Homossexuais no Brasil (LGBT), do Grupo Gay da Bahia (GGB), deve ultrapassar em muito as estimativas. Além dos crimes, um dado que também é preocupante é o total de suicídios. No mundo, de cada cinco casos, lembra a advogada, quatro tem motivos homofóbicos.
De acordo com relatório da ONU, 87% dos brasileiros tem homofobia.”Acho um absurdo ainda em pleno século 21 existir preconceito contra os gays”, conta Maurício Piva, de 23 anos, que precisou enfrentar o preconceito do pai e da sociedade quando assumiu a sexualidade aos 15. ” Sempre tive uma cabeça muito boa senão teria entrado em depressão”, acrescenta.
Maurício que passou a adolescência em Santos, mora hoje em Santa Luiza e trabalha em Belo Horizonte, Minas Gerais. “Tenho medo na volta do trabalho, tendo em vista os crimes que acontecem, mas fazer o quê. Eu preciso trabalhar”.
“O Brasil é signatário em tratados internacionais e o propositor na questão dos Direitos Humanos. Nossos diplomatas são exemplos, como Sérgio Vieira de Melo, morto em Bagdá, que foi um verdadeiro herói e defensor destas questões (…) Nossa legislação é clara quando diz que somos todos iguais perante a lei. O problema é nossa política interna. Somos um Estado laico, mas com bancadas religiosas, que disputam entre si, mas se unem quando o assunto é homossexualidade, aborto, entre outros tópicos”, ressalta Patrícia. Um exemplo disso é a questão recentemente discutida do Plano de Educação, que tinha proposta de se trabalhar a questão do preconceito racial, deficiência e diversidade sexual nas escolas. “A bancada religiosa tirou este tópico deixando apenas falar sobre discriminação de forma geral. A Constituição já diz que todos somos iguais, porém é importante escrever diversidade sexual na Constituição, pois parece não estar claro”, ressalta.
Um avanço aconteceu recentemente no Conselho Estadual de Educação, que acrescentou a possibilidade do uso do nome social nas escolas municipais. “Há uma proposta do vereador Igor (Martins – PSB) sobre o uso do nome social nas escolas, que fortalece a lei estadual, quando for aprovado.
Algo que já melhorou, mas ainda não é o ideal seria a possibilidade de usar o nome social na inscrição do Enem deste ano, mas que ainda não está no edital. A pessoa precisa buscar a informação no site”, diz.
Avanços santistas
Em 2011 ao participar de um fórum, Patrícia relembra que Santos ficou em último lugar, pois não existiam políticas públicas voltadas “Na época, o secretário de Cidadania deciciu criar a Comissão Municipal da Diversidade Sexual. Estava como consultora na ocasião e começamos a lutar para permitir, por exemplo, o uso de banheiro feminino por trans, o uso do nome social e promover debates na Cidade”, ressalta.
Atualmente, existe a Semana da Diversidade Social, que acontece em novembro, data voltada para fazer uma reflexão sobre o tema. Este ano ocorrerá a terceira edição. “O desafio é ampliar o público. Fazemos também um trabalho junto com a Sansex, que acontece na próxima semana. Temos também um trabalho voluntário.
A OAB recebe denúncias anti-homofóbicas. Temos a lei estadual que combate a homofobia, criada em 2011. A gente encaminha todos os casos que chegam na Ordem”, ressalta. Um desafio é o Centro de Especialidade em Santos para Transsexuais.
“O vereador Sadao Nakai (PSDB) estava à frente disso. Já houve, inclusive, negociação com o Governo do Estado, mas precisa de mais iniciativa”, diz. De acordo com a assessoria do vereador, o projeto teve negativa do governo na época (2012) por se tratar de uma proposta piloto.
Papel nas escolas
Para a advogada, a homofobia deve ser combatida em sala de aula e na escola, onde começa o preconceito. De acordo com pesquisa de 2008 da Fundação Perseu Abramo, 7% dos educadores são declaradamente homofóbicos. “Já capacitamos a rede de Subvenção em Santos, conversando com diretores, professores, pais e alunos, mas queremos entrar nas escolas municipais e particulares, algo que estamos tendo dificuldades”, avalia.
Uma questão importante que já acontece é o curso de EAD para funcionários públicos municipais e estaduais sobre o tema. “A gente ensina justamente a política da Diversidade Sexual”. Nesta semana começam as inscrições para a próxima turma. Informações no site.
Temática no Palco
Em cartaz há três anos com a peça teatral Dama da Noite, o ator Luiz Fernando Almeida acredita que a arte ajuda na construção de uma sociedade melhor. O espetáculo que dá voz a um personagem de Caio Fernando Abreu faz a plateia refletir sobre diversos aspectos do preconceito e da exclusão. A história ganhará também as telonas, em um filme a ser lançado nos próximos meses.
“Estamos caminhando a passos de formiga e acredito que um dia desfrutaremos – não verei isso acontecer, mas as futuras gerações sim – de um mundo onde todos poderão ser realmente livres para fazerem suas escolhas”, ressalta. Para o próximo projeto – que já está em estudo – Luiz, que é homossexual e – como conta na entrevista ao BoqnewsTV – já teve que correr na rua para não apanhar na adolescência – falará sobre suicídio. “Assunto delicado. Estou fazendo pesquisa há dois anos. Os índices entre os jovens têm aumentando, assim como os da tortura. É triste”, comenta.
Sansex
De 26 a 31 de maio acontecerá a 3º Sansex Mostra da Diversidade, com realização da Associação dos Artistas, Superbacana Produções e Olhar Caiçara. Na abertura, Nany People trará o espetáculo Tsunany ao Teatro Guarany. De acordo com Luiz Almeida, os principais objetivos são modificar paradigmas e promover discussões. Teatro, música, bate-papos compõem a programação que pode ser acessada em em nosso site.