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21 DE ABRIL DE 2011

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A razão de celebrar

O que vêm a cabeça quando chega a Páscoa? Experimente esta enquete com familiares e amigos, de diferentes faixas etárias. Não é muito difícil inferir que há uma boa possibilidade de que os termos “chocolate”, “ovo” ou “coelho” estejam entre as respostas mais populares, especialmente entre os mais jovens. Basta olhar nos arredores para se […]

Por: Da Redação

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O que vêm a cabeça quando chega a Páscoa? Experimente esta enquete com familiares e amigos, de diferentes faixas etárias. Não é muito difícil inferir que há uma boa possibilidade de que os termos “chocolate”, “ovo” ou “coelho” estejam entre as respostas mais populares, especialmente entre os mais jovens. Basta olhar nos arredores para se identificar a  maciça presença destes artigos em vitrines das mais distintas lojas. Serão estes, porém, os símbolos que representariam, pela Igreja, a mais importante festividade católica?


Não é bem assim. Ou pelo menos não era — e para os religiosos, não deveria ser.  Símbolo da ressurreição de Jesus Cristo três dias após este ser crucificado e dotada de uma série de tradições, que se iniciam na Quarta-Feira de Cinzas, quando há  início o período da Quaresma, a Páscoa vê hoje alguns de seus costumes gradativamente perderem mais espaço, ao passo que a data é cada vez mais vinculada a ocasiões comerciais.


No primeiro momento, o pensamento é que não há motivo das tradições religiosas perderem este espaço. Afinal, uma pesquisa feita pelo Datafolha, em 2010, mostrou que 61% da população brasileira se considera católica. No entanto, já na década de 70, como ilustra conteúdo do portal Novo Milênio, até a famosa cultura da malhação de Judas — alusiva a Judas Iscariotes, que teria traído Cristo ao entregá-lo a seus perseguidores — estava caindo em desuso, tornando-se mais comum em cidades interioranas e menores.


O próprio costume do não-consumo de carnes vermelhas durante a Quaresma, como forma de “renúncia”, acabou quase que limitado à Semana Santa, período em que a venda de pescados triplica, segundo dados do Ministério da Pesca e da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp).


A socióloga e professora da Universidade Católica de Santos (Unisantos), Terezinha Ayub Pellizari, pondera dois fatores como “diferenciais” para o cenário. Um deles é a maior diversidade de crenças no País – algumas delas, aliás, que encaram a Páscoa de maneiras diferentes – e o aumento de seguidores de outras doutrinas. “O Brasil sempre foi, essencialmente, católico apostólico romano. Hoje, você não tem mais essa realidade. Há uma maior diversidade”, destaca.


Os números do Datafolha em 2010, em comparação com os do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referentes ao Censo de 2000, são explicativos. Afinal, há 11 anos, o IBGE identificou cerca 73,6% de católicos no Brasil, contra os 61% observados no último ano. E a queda é constante, pois em 1970, o mesmo Censo registrou 91,8% de seguidores do catolicismo. Em 1980, por sua vez, o índice caiu a 89%, e em 1991, o registro já era de 83,3% de católicos.


O outro fator – este apontado como o mais decisivo – é justamente a série de transformações que se deram no cotidiano das pessoas ao longo dos últimos anos, no tocante a necessidades e prioridades. “Vivemos em uma sociedade pós-moderna, onde a característica maior é a indivudalização. A mulher começou a sair de casa para o trabalho, as pessoas estão fora o dia todo, e uma série de prestações de serviços cobre todas as necessidades. Isso diminuiu aquela coisa do laço familiar”, analisa a socióloga. Para ela, aliada a essas circunstâncias, está a atuação da mídia, que trabalha a Páscoa como produto, objeto de consumo.


“Há mais de um mês que os ovos estão expostos. Acaba a Páscoa, junta tudo e já inicia o Dia das Mães. Antes, você tinha tradição de se fazer um almoço, de se comer uma colomba pascal. Mas hoje você tem a colomba o ano todo. Isso descaracteriza a cultura”, contextualiza a especialista.


Encontro com Jesus


Ambiente diferente daquele que, para o bispo da Diocese de Santos, Dom Jacyr Francisco Braido (foto), deveria representar a Páscoa, desde a Quaresma. “Para se preparar para viver a Páscoa, ter o encontro com Jesus, é preciso uma reaproximação espiritual e, digamos assim, material, que no caso é o jejum. Esse é um ato no qual nós também nos sacrificamos, nos atentamos ao porquê de estarmos fazendo isso, lembrando que Jesus começou sua pregação com 40 dias de jejum”, explica.


O bispo pondera que o “jejuar” não é necessariamente o ato de não comer carne vermelha durante o período de reflexão — “Ainda que (o jejum) seja algo saudável”, salienta —, mas deixar de lado as atrações e pensar em atitudes diferentes. “É o jejum de tirar pensamentos, que às vezes são inúteis, da cabeça. Por aqueles momentos, não pensar em atrações que, às vezes, acabam sendo doentias e até impositivas, como o consumismo”, reflete.


Mercado agradece


De fato, o comércio conta bastante com a Páscoa. Segundo o presidente do Sindicato do Comércio Varejista da Baixada Santista, Alberto Weberman, trata-se da terceira principal data do ano para as vendas, e para 2011, a perspectiva é de um aumento de 15% a 20% na comercialização de ovos e chocolates apenas na região.


“Mais pessoas estão com carteira assinada. A região, com o advento do pré-sal e da construção civil, viu muita gente chegar para trabalhar na Baixada Santista. E esse pessoal vêm ganhando bem. Hoje, um pedreiro está ganhando o dobro do que no ano passado”, destaca, enfatizando, ainda, que a ocasião é propícia aos empregos temporários. “Algumas firmas, como a Cacau Show, chegaram a contratar 300 novos funcionários para venda de ovos. Pessoas que podem, se desempenharem um bom papel, serem posteriormente contratadas com carteira assinada”, conta Weberman (foto).


O “avanço” do comércio na data, no entanto, é visto com alguma preocupação pelo bispo da Diocese de Santos. Para exemplificar, relembra uma passagem, ligada a outra importante festividade católica “Uma vez, estava ouvindo rádio pela manhã. Era dia 1º de setembro. De repente, anunciam: o Natal se aproxima… Três meses antes! E já era hora de fazer propaganda… Na hora pensei: o Natal não é isso. O mesmo acontece agora com a aproximação da Páscoa. Antes mesmo da Quaresma, já estão falando dos ovos”, conta Dom Jacyr.


“Acho que em um dado momento, devemos ter uma autonomia de vida, mesmo em relação a esses meios. Posso comer um ovo de Páscoa? Posso, claro. Mas, evidentemente, minha preocupação maior não é aquela. Ao mesmo tempo, penso que não é a época melhor para uma viagem. Pode viajar, claro. Mas que seja uma viagem que se respeite o sentido da ocasião. Que reúna a família, outros parentes”, pondera.


Weberman, por sua vez, reforça a ideia dos momentos distintos vividos pela sociedade, mas “isenta” o comércio, avaliando que este se adapta ao comportamento do mercado. “A juventude hoje não está ligada à religião, mas a baladas, computador. Os jovens frequentam pouco a igreja. As pessoas de mais idade é que olham muito pela tradição. Infelizmente, os jovens não querem saber muito disso”, reflete o comerciante.


“Mas paralelamente a isso, o comércio precisa vender. Se é por religião ou não, ele quer vender. E qualquer que seja a religião do pai, se o filho de 5, 10 anos, ver uma criança ganhando um ovo, ele também vai querer ganhar, sem conhecimento de tradição ou religião”, avalia o presidente do sindicato. “O comércio aproveita a situação, ele precisa vencer, seja ovo ou celular. E vendendo, ele emprega, paga impostos”, completa.


Aos jovens, pela tradição


E são justamente os jovens o público que a Igreja, na visão do bispo da Diocese santista, Dom Jacyr Francisco Braido, precisa observar para que o espírito da Páscoa como ela é — ou deveria ser — não se perca e volte a se estabelecer entre crianças e adolescentes.


“Eu acho que esse espírito passa pelos jovens visitando jovens, passando a mensagem de Deus. A visita faz com que eles presenciem uma novidade. No princípio, pode até não ter um grande interesse, mas depois, começa-se a ir e deslancha o processo. A missão é ir ao encontro, proporcionar às pessoas o algo novo, a novidade. Isso é a Páscoa. E a Igreja deve fazer esse encontro, colocar a semente”, considera Dom Jacyr.


O religioso complementa: “E não se trata só da novidade religiosa. É conhecer atividades diferentes, até mesmo na internet, repassando mensagens, dividindo reações. Acho que o segredo todo da Páscoa é sair. Não só ir para Campos do Jordão, mas por que também não visitar a tia que está doente? É uma coisa boa de se fazer”, exemplifica.


A socióloga e professora universitária, Terezinha Ayub Pellizari, considera que a mídia pode ajudar no passo a ser dado com as novas gerações, no que diz respeito a valores e tradições familiares, além da questão religiosa.


No entanto, admite que o processo deve ser contínuo. “Há fatos que são retomados porque apareceram na televisão. As campanhas ecológicas são exemplo. Mas vivemos a sociedade do líquido, como diz (Zygmunt, sociólogo polonês) Baumann. Tudo é passageiro. Precisamos estar sempre reforçando, e as escolas também precisam estar preparadas. Às vezes, elas comemoram a Páscoa sob a ótica mercadológica, sem relacionar a mensagem que ela (Páscoa) deseja passar, o sentimento”, avalia a especialista.


“O resgate da data deve ocorrer de uma forma não mercadológica, mas emocional. Não se preocupando só com o ovo”, conclui a profissional.

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