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07 DE AGOSTO DE 2009

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Nas profundezas do estuário

Deposi de mais de três décadas do desastre envolvendo o cargueiro grego Ais Giorgis, a odisséia – que tem como cenário o maior porto da América Latina – parece ganhar um ponto final.  Após pedido de licitação realizado pela Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), no último dia 22, para executar serviços de […]

Por: Da Redação

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Deposi de mais de três décadas do desastre envolvendo o cargueiro grego Ais Giorgis, a odisséia – que tem como cenário o maior porto da América Latina – parece ganhar um ponto final. 

Após pedido de licitação realizado pela Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), no último dia 22, para executar serviços de inspeção e elaboração de metodologia para retirada dos restos do casco do navio, a Comissão Permanente de Licitação receberá propostas de empresas interessadas na execução do serviço até a próxima quarta-feira (10), na Gerência de Contratações e Licitações (GFL).



O pedido decorre do projeto de dragagem de aprofundamento do Porto de Santos, que tem como meta aumentar o calado (com variação atual entre 12 e 14 metros) para 15 metros e a largura do canal de acesso (com 150 metros) para 220 – permitindo navegação de mão dupla em 85% do canal.

Alerta
Ao longo das décadas, foi totalizada a retirada de mais de 450 toneladas de sucatas do Ais Giorgis.  No entanto, por problemas técnicos no momento da remoção, uma parte do casco do cargueiro ainda ficou, parcialmente, presa à lama do canal.

De acordo com a Codesp, o restante encontra-se submerso e localizado, atualmente, em frente ao armazém 14, ao lado do canal de navegação de 12 metros, em uma área mais rasa, e consta nas cartas náuticas como forma de alerta para os navios que ali trafegam.

Apesar de não ter sido registrado, desde o desastre, qualquer incidente no estuário devido à permanência dos destroços na região, os restos do navio sempre representaram um problema para o tráfego marítimo e contribuíram para alterar o curso normal de navegação no canal.

Risco ecológico
No final dos anos 80, o cargueiro semi-submerso quase provocou um desastre ecológico: desgovernado por meia-hora, em meio à chuva torrencial, o petroleiro nacional Ipanema, da Fronape/Petrobrás, contendo mais de 14 mil toneladas de óleo diesel e álcool, chegou bem perto de colidir com os destroços do Ais Giorgis e foi salvo por rebocadores que realizavam as manobras de saída para o porto.

A situação poderia ter resultado em um enorme desastre ecológico, devido ao risco de derramamento de grande quantidade de combustível na região interna do Porto e, conseqüentemente, no risco de incêndio que poderia se espalhar pelas instalações portuárias. O episódio gerou polêmicas no setor em razão do descaso das autoridades em solucionar o problema.

Outra preocupação da comunidade em geral e ambientalistas gira em torno dos prejuízos ambientais que o desastre provocou no estuário, por tratar-se de um navio com cargas de produtos químicos. Segundo o ambientalista Nelson Rodrigues, membro do Conselho de Meio Ambiente de Santos (Comdema), a retirada do que sobrou do Ais Giorgis do fundo do mar resultará em benefícios ambientais para o Porto de Santos, pois diminuirá os riscos de contaminação por substâncias químicas.

“É difícil avaliar os prejuízos ambientais causados no decorrer dos últimos anos sem uma análise técnica, mas, logicamente, a retirada do casco pode amenizar a possibilidade de contaminação, pois, no desastre, o navio carregava produtos químicos. Isso se ainda existir algum produto químico fechado, pois o longo tempo de permanência no local pode  ter resultado na corrosão dos recipientes”, ressalta.

Rodrigues alerta que, caso o casco não seja removido, prosseguirá a situação de alerta e mistério sobre os reais prejuízos causados pelo desastre.

“Quanto à navegabilidade no canal, o que restou do cargueiro não representa muitos obstáculos, porque se realmente impedisse , as providências teriam sido tomadas”, explica.

 “Além disso, é necessário verificarmos a situação legal do cargueiro. Se existe alguma indenização por danos ambientais, e quais as providências das autoridades vêm sendo desenvolvidas ao longo desse tempo”, diz o ambientalista.

8 de janeiro 1974: noite dos horrores


No final de 1973, o cargueiro grego Ais Giorgis atracava no cais santista, entre os armazéns 30 e 31 para dar início à descarga de caixas, sacos e tambores, com leite em pó, óleo de pinho, resina, além de diversas qualidades de produtos químicos – entre os quais, nitrato de sódio – transportados em um único porão.



Uma semana depois, o navio foi protagonista do maior desastre ocorrido nos últimos tempos no Porto de Santos. Uma combustão espontânea em uma carga de produtos químicos, motivada pelos pingos da chuva, deu início, às 21 horas de 8 de janeiro de 1974, a um incontrolável incêndio na carga dos vagões que, depois, passou para o navio, atingindo porões, restante da carga e quase toda a estrutura do cargueiro. Foram três dias e três noites de incêndio.

O jornalista José Carlos Silvares – autor do livro Príncipe de Astúrias – o Mistério nas Profundezas – que, na ocasião, trabalhava como repórter da Editoria de Porto no extinto jornal Cidade de Santos, encontrava-se no local no momento do desastre.

Ele foi autor de várias fotos do incêndio e testemunha do inesquecível acidente no Estuário. “Eu estava retornando para casa, depois de um dia cheio, pois havia feito a cobertura da transmissão de cargo na Capitania dos Portos. Naquele dia, estava saindo um capitão e entrando o seu substituto. No final da tarde, o navio começou a pegar fogo e, quando soube, dirigi-me para o cais”, lembra.

“Permaneci por lá madrugada adentro, acompanhando o incêndio. Fiz muitas fotos, voltei para o jornal, escrevi um texto, deixei as imagens para revelar e voltei para acompanhar o trabalho dos bombeiros e do pessoal da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa) da Companhia Docas”, diz.

Ele lembra que, durante o incêndio, um membro da Cipa faleceu, indivíduo que foi considerado um herói na época por ter ajudado a desatracar o navio e levá-lo para o meio do canal do Estuário, na altura do armazém 25, para não oferecer maiores riscos aos demais navios atracados e às instalações portuárias.

“Não há muita informação sobre o navio além do que está nos jornais da época. O Ais Giorgis já era um navio velho quando ocorreu o incêndio. Lembro que o erro aconteceu porque era para os porões terem sido fechados, mas na correria deixaram ao ar livre uma carga que estava em vagões abertos, no cais, ao lado do navio. E o fogo começou ali”, lembra.

Pertencente à armadora Shipmeyr, que na época recebeu indenização da seguradora e autorizou a venda do que sobrou do cargueiro, o navio e sua carga passaram a ser aquisição de várias empresas ao longo daquele ano.

A última, em 1979, informou que a embarcação seria rebocada junto às instalações de Guarujá, dentro de um prazo de 30 dias. No entanto, em setembro de 1979, um intenso vendaval foi responsável pela ruptura das amarras e pelo consequente arrastamento do navio para o meio do Estuário, onde o casco restante localiza-se até  hoje.

A partir daí, por decisão da Marinha, a competência de retirada do cargueiro daquela região passaria à Codesp, por meio da Portobras.
A constante transferência de responsabilidade para solucionar o problema gerou polêmica e clamor público, como reação à ausência de soluções para remoção do navio.

Em 1998, por meio da balsa Superpesa VIII, chegaram a Santos mergulhadores para iniciar o serviço de demolição do Ais Giorgis (São Jorge, na tradução para o português) e avaliar o estado do navio.
Na ocasião, foram colocadas bóias sinalizadoras no local como forma de alerta aos navios que ali transitam. Caso apareçam empresas interessadas na retirada dos destroços da embarcação, a história do Ais Giorgis ficará registrada apenas nas imagens e não mais será vista no estuário do maior porto da América Latina.

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