
Árvore foi cortada na segunda (20) e sua retirada estava programada para quinta (23), mas a mobilização de moradores impediu a conclusão do serviço
Os moradores mais antigos do bairro – acima dos 60 anos pelo menos – lembram que ela já estava lá quando eram garotos. Não se sabe ao certo o tempo que ela ocupava o pequeno pedaço da calçada nem quem a plantou. Mas já fazia parte da paisagem da rua Oswaldo Cruz, via com árvores frondosas e ponto de passagem diário para milhares de pessoas em direção à praia do Boqueirão, em Santos.
O ingazeiro era frondoso e fazia uma bela sombra. Que o diga o ambulante instalado no local e que aproveitava-se dela para amenizar o calor. Sem contar os pássaros que faziam da planta uma referência para abrigo e descanso.
Enquanto crescia, acompanhava o crescimento do próprio bairro. E presenciou, com seus galhos, idas e vindas dos estabelecimentos vizinhos. Viu passar pelo local residências, um bar/restaurante e mais recentemente uma papelaria. O crescimento da árvore encobria a fachada vizinha. Pobre pecado da planta que pagou o preço pelo seu crescimento.
A chegada de uma rede de drogarias do interior paulista no litoral alterou seu futuro. Para valorizar a fachada, a saída mais simples: retira-se a árvore. Ignora-se sua importância para a fauna. A alegação oficial para a autorização é protocolar.
“A Prefeitura, por meio do Departamento de Parques e Áreas Verdes da Secretaria de Serviços Públicos, registrou vários pedidos de remoção da árvore citada pelo proprietário do imóvel. A espécie apresentava foco de cupim, raízes extensas que a calçada (sic!) e relato de quedas de idosos. Mediante o longo histórico de solicitações, foi autorizada a retirada da árvore pelo proprietário mediante atendimento da LC 719/11 (onde toda árvore retirada, deve-se doar 5 novas árvores). O proprietário doou 10 novas árvores. Vale informar que a Farma Conde ainda participa do Programa Adote uma Praça, adotando a praça Aparecida”.
Não sou engenheiro agrônomo, mas a condição da árvore não era tão precária como se apresenta no frio e burocrático comunicado oficial. Um profissional da área que estava no local reconheceu isso. No máximo, poderia ter sido podada em razão dos seus galhos encostarem nos fios da rede elétrica. Na mesma rua, porém, chapéus-de-sol encobrem os fios demonstrando perigo muito maior. Além disso, a calçada estava longe de estar danificada em razão das raízes, conforme a alegação oficial. Protocolar, aliás, colocando a empresa como vítima. Ou seja, o fato de participar do programa Adote uma Praça justificaria prioridades no atendimento?
Afinal, o que chama a atenção é a velocidade como a referida árvore teve um triste fim. Até o Carnaval, o espaço era ocupado por uma papelaria. A Folia de Momo acabou e do nada o estabelecimento fechou. Eram fortes os boatos de que uma rede de drogarias (mais uma) se instalaria no local. O valor da locação seria lucrativo para o proprietário do imóvel. Algo em torno de R$ 30 mil mensais. Irrecusável.
O estabelecimento ficou fechado por semanas, até que as obras iniciaram de uma forma frenética. Na semana passada, o mistério acabou. Um letreiro de gosto duvidoso com as cores laranja e azul estampava o nome do novo estabelecimento, mais uma rede de drogarias no Boqueirão (o bairro deve concentrar o maior número deste tipo de estabelecimentos em Santos. Em menos de 200 metros, este será o quinto!). Mas os galhos da árvore impediam a visualização do nome da rede de cores berrantes. E assim, definiu-se sua morte. Afinal, é melhor trocar uma árvore velha por dez novinhas…
Chama a atenção um fato pouco questionado: a agilidade para a retirada da mesma, pois o processo é lento e burocrático. Não foi este o caso. Basta analisar: o protocolo de atendimento para a retirada da árvore ganhou o número 11710/2015-24 (portanto, solicitado entre fevereiro e março deste ano). E o que mais chama a atenção é o número da autorização para a retirada: 010/2015.
Ou seja, até o dia 13 de abril, data que a autorização foi assinada, apenas dez pedidos tinham sido deferidos, mesmo passados 103 dias ao longo de 2015. Média de uma autorização a cada dez dias. Lembro que temas ligados à poda de árvores ou de suas raízes lideram as reclamações junto à Ouvidoria Municipal. Velocidade de solução impressionante!
Afinal, a última solicitação ocorreu no dia 8 de abril passado. Em menos de uma semana, a autorização estava aceita, portanto, e em menos de duas semanas, a árvore dizimada. Você, cidadão comum, que já tentou solicitar a poda ou retirada de uma árvore conseguiu uma resposta tão rapidamente? Esta agilidade teria relação com os rumores ditos pelos populares no local de que um vereador de perfil histriônico estaria altamente interessado na instalação deste estabelecimento no local. Por qual razão? Melhor esperar debaixo da sombra de alguma árvore…
Voltando à ‘velha’ árvore, na última segunda (20), seus galhos vieram abaixo. Só restou-lhe o tronco, que estava programado para ser retirado três dias depois (23). No entanto, a mobilização de populares se transformou em uma cruzada quanto o destino do que restou do pobre vegetal. Infelizmente, aos técnicos, a morte da planta estava anunciada. O corte foi profundo e a debilitou mortalmente. Será questão de tempo para sua retirada em definitivo. O poder econômico, mais uma vez, prevaleceu. Resta ao cidadão, mais que se indignar com tais fatos e usar as redes sociais para fazer seus protestos, usar seu direito também como consumidor. Afinal, concorrência não falta.
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