Enquanto recursos são desviados, crianças têm na merenda a única refeição | Boqnews
Prato com alimentos. Foto: Divulgação

Realidade regional

28 DE NOVEMBRO DE 2019

Siga-nos no Google Notícias!

Enquanto recursos são desviados, crianças têm na merenda a única refeição

Em cidades como São Vicente, alimentos têm aumento significativo de consumo na merenda escolar após os finais de semana. Fome é uma triste realidade.

Por: Fernando De Maria

array(1) {
  ["tipo"]=>
  int(27)
}

Enquanto agentes públicos, como ex-prefeitos, vereadores, servidores públicos, e empresários são alvos de operação da Polícia Federal para identificar desvios de recursos públicos na merenda escolar, crianças têm neste tipo de refeição, muitas vezes, a única forma de alimentação ao longo do dia.

A Operação Cadeia Alimentar II, desencadeada na terça (26), foi um desdobramento de outra operação ocorrida no ano passado, envolvendo políticos de alta escalão e prefeitos e agentes públicos de cidades do interior, inclusive da Baixada Santista.

Esta não foi a primeira ação voltada ao desvio de verbas públicas destinadas à merenda escolar. Nem a última.

Em 2016, a Operação Alba Branca também atingiu em cheio nome de prefeitos e até deputados estaduais.

Desta vez, foram expedidos 57 mandados de busca e apreensão e 27 mandados de prisão temporária.

Na Baixada Santista, as ações ocorreram em Guarujá, Cubatão, Praia Grande, Santos e São Vicente, onde os suspeitos residiam ou atuavam politicamente.

Conforme a Polícia Federal, os esquemas iniciaram em 2013.

Existem contratos lesivos aos cofres públicos calculados em R$ 10 milhões.

Triste realidade

Enquanto recursos são desviados a cada nova operação, milhares de crianças buscam na escola algo além do conhecimento, um simples caderno ou lápis de cor.

Esta situação fica mais clara quando se depara com uma triste realidade.

Ou seja, o aumento significativo do consumo de alimentos às segundas-feiras ou após os feriados, como resultado da ausência de uma alimentação digna nos finais de semana, quando as crianças estão em seus lares.

“Algumas chegam a repetir de 2 a 3 vezes as refeições na hora do almoço. E também no jantar”, revela uma professora.

Ela leciona em escolas do Estado e do Município em São Vicente e Praia Grande para alunos do 9º ano do Ensino Fundamental e os três anos do Ensino Médio.

A pedido, seu nome foi preservado assim como as escolas onde atua.

“Realmente existem crianças que só comem na escola”,  acrescenta.

A situação é mais crítica nas unidades estaduais, que geralmente recebem alimentos fornecidos pelos municípios, conforme convênio entre as secretarias municipais e estadual de Educação, especialmente às segundas e sextas.

Motivo?

São nestes dias que costumam ser oferecidas as ‘merendas secas’, ou seja, biscoitos.

Assim, nestas datas, a professora reconhece, a frequência de crianças cai.

Para muitos, sem alimentação “que as sustente”, não há razão para ir à escola.

“Chamam até de biscoitos pedagógicos”, comenta a profissional.

Assim, não é à toa que a vereadora Telma de Souza (PT) apresentou requerimento na sessão da Câmara de Santos nesta quinta (28) à Diretoria de Ensino.

Portanto, ela solicita informações, entre diversos itens, sobre a oferta de apenas “suco e bolacha” a alunos de escolas estaduais.

 

Sem ter o que comer

 

A situação é ainda pior para quem estuda no período noturno.

“As refeições são servidas antes do horário da aula, pois muitos chegam direto do trabalho sem comer. Ou simplesmente não tem o que comer em casa”, acrescenta.

A professora comenta que é comum, de forma voluntária, o corpo docente e profissionais, assim como pais de alunos, se cotizaram ou buscarem doações para garantir alimentos básicos aos alunos mais carentes.

“Sabemos que estes crianças passam fome”, lamenta.

 

Para muitas crianças, a merenda escolar é a única refeição que a criança tem. Com má alimentação, capacidade de aprendizado cai. Foto: Divulgação

São Vicente

A explicação da professora, que poderia ser exclusiva das unidades onde leciona, encontra respaldo em um levantamento efetuado pela Prefeitura de São Vicente.

A rede de ensino é formada por 140 escolas, das redes municipal e estadual, incluindo 56 creches.

Ao todo, 50 mil alunos recebem refeições diárias

Os números impressionam.

“Às segundas, o volume de merenda oferecida em nossas escolas cresce 30%”, disse o prefeito da Cidade, Pedro Gouvea, durante programa de rádio local, surpreendendo os demais membros da bancada participante.

“A escola tem o compromisso de formar o aluno integralmente e a Alimentação Escolar é parte dessa formação”, explica a secretária de Educação de São Vicente, Eugênia Marcondes.

Assim, completa, “oferecer esse suporte é fundamental, pois a desnutrição impacta sobre o processo de aprendizagem. É preciso entender a escola como uma extensão do lar”.

A pedido do Boqnews.com, a Secretaria de Imprensa e Comunicação Social detalhou o crescimento do volume de alimentos fornecidos a alunos às segundas-feiras na comparação aos demais dias da semana.

A maior concentração ocorre em unidades situadas nos bairros mais carentes da cidade, como Vila Margarida, México 70.

E ainda: Pompeba, Jóquei Clube, Vila Ema, Samaritá e Jardim Irmã Dolores.

Em alguns casos, como o feijão carioca, o consumo cresce 53%.

Do total mensal de 5 toneladas fornecidas nas merendas, em média, 542 quilos são consumidos às segundas-feiras.

O volume é bem acima dos 354 quilos dos demais dias da semana. (Confira o quadro).

A situação é tão complexa que as nutricionistas da prefeitura de São Vicente optaram em não servir macarrão às segundas-feiras no cardápio.

Dessa forma, é possível garantir uma alimentação mais rica aos alunos.

 

 

Outras cidades

A exemplo de São Vicente, a Secretaria de Educação de Bertioga também regista que após feriados e períodos de férias escolas (meses de fevereiro e março, além de agosto), o número de refeições aumenta consideravelmente.

Tanto que, conforme cláusula contratual, está previsto acréscimo de 20% das solicitações de merenda para atender a estes casos.

E ainda: as repetições pelos alunos, sem aumento no custo final da merenda.

“A margem de 20% é totalmente utilizada nestes períodos sendo mais frequentes em escolas de áreas periféricas”, destaca a Administração, em nota.

A secretaria realiza supervisão nas unidades escolares para acompanhamento dos acréscimos de alimentos nas escolas.

E quando necessário, acrescentada a solicitação.

Ao todo, são 10.500 merendas fornecidas diariamente.

Assim, são 2.600 refeições em unidades estaduais (57% de adesão), 5.900 em unidades municipais (92% de adesão).

E ainda: 150 nas unidades indígenas (100% de adesão) e 1.600 (87% de adesão) nas unidades infantis em período integral (a partir de 6 meses).

 

Situação distinta

Ao contrário de São Vicente e Bertioga, outras cidades, porém, não registram aumento no volume de refeições servidas após os finais de semana e feriados.

Além disso, no caso de Peruíbe, são 23 mil refeições servidas, entre desjejum, almoço, lanches e jantar.

Porém, não há registros de aumento no volume de refeições servidas após os finais de semana e feriados, garante a Administração.

Dessa forma, mesma situação ocorre em Cubatão, segundo a Prefeitura.

Em média, são 24.717 refeições servidas para 16.667 alunos da rede municipal de ensino de creches, pré-escola e Ensino Fundamental.

“Nunca houve esta observação em relação a dias específicos da semana, pois as cozinheiras sempre preparam uma demanda suficiente para o atendimento de todos”, explica a Administração, em nota.

No entanto, reportagem divulgada na Rádio Bandeirantes mostra que a realidade não é bem assim.

Em uma foto, apenas arroz e metade de um ovo. Há casos que apenas bolacha de água e sal foi servida.

A Prefeitura reconheceu o problema, que teria sido causado “pela “negligência” da empresa que antes era responsável pelo serviço e foi descredenciada”.

 

Mais cidades

Assim, Guarujá também segue a mesma linha.

Ao todo, são 42.300 refeições diárias oferecidas a 36.024 alunos.

A Prefeitura gasta R$ 4,6 milhões em gastos neste item.

Dessa forma, alunos dos Núcleos de Educação Infantis Municipais (Neims) e núcleos Conveniados (Neics) recebem cinco refeições diárias.

Dessa forma, Mongaguá também não registra, segundo a Prefeitura, qualquer diferença no volume de refeições fornecidas após os finais de semana e feriados.

Isso em razão da frequência diária ser variável, em razão de dias chuvosos e doenças infectocontagiosas.

Ao todo, são 14 mil alunos atendidos, em escolas municipais , de creches a Ensino Fundamental II, além de unidades estaduais e aldeias indígenas.

Santos assegura que não registra mudanças no volume de refeições oferecidas às crianças após os finais de semana e feriados.

Ao todo, são 1,7 milhões de refeições oferecidas mensalmente.

Assim, aos alunos de Educação Infantil, em período integral, são servidas quatro refeições: café da manhã, almoço, lanche da tarde e jantar.

Já aos que frequentam o Ensino Fundamental no período integral, são oferecidas as mesmas refeições, com exceção do jantar.

Assim, já os de frequência parcial, são fornecidos café da manhã e almoço (manhã) ou almoço e lanche (tarde).

Demais cidades não responderam às solicitações do Boqnews.

Notícias relacionadas

ENFOQUE JORNAL E EDITORA © TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

desenvolvido por:
Este site usa cookies para personalizar conteúdo e analisar o tráfego do site. Conheça a nossa Política de Cookies.