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23 DE ABRIL DE 2010

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Unidos contra a impunidade

Domingo, 20 de maio de 2007. Bairro de Vila São Jorge, São Vicente. Por volta das 15h30, Emily tirava foto de dois amigos com sua máquina digital. Perto de sua casa. Aproximavam-se três meninos, de bicicleta. Eles pediram a máquina digital da menina. Bastante assustada, recusou-se a entregar. Tentou fugir e entrar em casa. Não […]

Por: Da Redação

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Domingo, 20 de maio de 2007. Bairro de Vila São Jorge, São Vicente. Por volta das 15h30, Emily tirava foto de dois amigos com sua máquina digital. Perto de sua casa. Aproximavam-se três meninos, de bicicleta. Eles pediram a máquina digital da menina. Bastante assustada, recusou-se a entregar. Tentou fugir e entrar em casa. Não imaginava que um dos meninos, aparentemente menor de idade, tinha porte de arma. Um dos criminosos foi convencido pelos outros comparsas, também adolescentes, a atirar. Emily Guedert de Araújo, 13 anos, foi morta com um tiro na cabeça. Hoje em dia, os três estão mantidos em cárcere.

A menina era mais uma vítima de latrocínio. E ainda completava uma das listas mais importantes, porém menos desejadas por qualquer família: o Mapa da Violência, organizada pelo Instituto Sangari, em São Paulo. De 1997 a 2007, a taxa de crescimento de homicídios entre adolescentes (considerado entre 12 a 18 anos) foi de quase 30%.

Ainda mais assustador, como no caso apresentado, é a faixa etária dos criminosos – o mais velho entre eles tinha apenas 16 anos. O retorno dessa realidade acentua, em 2010, o aniversário de 20 anos de outro jovem, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no Brasil.

E apesar da proteção que o Estatuto promoveu (e ainda promove) nestes 20 anos ao jovem brasileiro, a discussão sobre a emancipação penal ao infrator menor de 18 anos ainda é polêmica e divide opiniões – mas a própria faixa etária entre 12 a 18 anos parece ser a mais preocupada com o adolescente que cometa crime hediondo. “Ao longo dos três anos em que criei redes sociais entre outros pais de vítimas, percebi, também, que os adolescentes são os que mais apoiam e acreditam na emancipação do menor de idade”, explica Wilson Caetano de Araújo, pai de Emily.

Para discutir e viabilizar essa questão, por exemplo, Wilson foi o idealizador do projeto EUVI (Encontro Unificado de Vítimas da Impunidade), criado no dia 15 de agosto do ano passado. Foram dois encontros já realizados – um em São Vicente e outro em Curitiba – reunindo diversas famílias de vítimas também jovens, entre elas, os pais da carioca Gabriela Maia Prado Ribeiro, de 14 anos, do menino João Helio Fernandes, de 6 anos, e da paulista Liana Friedenbach, de 16 anos.

Agora, Wilson quer ir além: fazer um plebiscito com a entrega de 1 milhão e 400 assinaturas de um abaixo assinado a ser entregue ao próximo chefe de Estado a ser eleito este ano. A meta faz sentido: para se fazer uma emenda popular, é preciso ter a representatividade de 1% da população eleitoral.

Como atualmente são por  volta de 120 milhões de eleitores, essa porcentagem representa, pelo menos, 1 milhão e 200 assinaturas. Esse abaixo assinado propõe dois pontos, um deles ligado à alteração no ECA sobre a maioridade penal, de forma em que um “indivíduo que cometa  crime hediondo possa ser emancipado independente de  idade para que seja responsabilizado criminalmente pelo ato praticado”. Além disso, ele argumenta o porquê da proposta.

“Muitas pessoas que são contra falam sobre as condições do adolescente, comentam sobre o fato deles serem jogados nas mesmas celas e com o tratamento dado aos demais carcerários. Mas a proposta não é sobre isso, apenas que esse jovem cumpra o que ele fez e muito além. Não é só a questão da punição. É fazer com que o menor pense antes de executar um crime, porque hoje ele não precisa pensar ou apontar a arma para alguém. Hoje pode ser uma punição, mas amanhã será uma solução para que eles não sejam mais usados nem mesmo na mão dos grandes nomes do tráfico de drogas”. O pai de Emily também acredita que o ECA tem pontos ótimos, principalmente relacionados a crimes com crianças, mas que peca na condição de punir o menor.

“O que acontece é a criação de uma cultura. O adulto infrator geralmente começa a cometer os atos criminosos na infância, mesmo que em menor escala. Ninguém chega aos 18 anos e resolve ser bandido”. O grande problema, segundo Wilson Caetano, é que esses menores infratores, em geral, não vivem, e sim, sobrevivem, pois vêm de origens onde a realidade social é muito dura. Às vezes têm pais que não dão o suporte necessário, quando ainda sofrem maus tratos por parte deles. São jovens, em geral, muito críticos, desconfiados. E vendo os contrastes das desigualdades sociais, o crime é apenas uma opção mais fácil de conseguir aquilo que a vida não conseguiu lhe proporcionar. “Ele não tem nada a perder”, comenta, ressaltando que  nesse ponto que o ECA peca: “Essas crianças não são como qualquer outra. Elas precisam de muita coisa. Muita coisa, mesmo”.
Outra alteração sugerida, válida para o atual Código Penal, tem relação com o tempo máximo de prisão cumprido por um infrator – é a questão do tempo máximo de reclusão que, no Brasil, são de 30 anos.

“Atualmente, os criminosos não chegam a cumprir um sexto de sua pena”. Como citado no manifesto, “o criminoso manterá os direitos previstos hoje, mas passará a contá-los sobre o tempo total da pena a que estiver condenado e deverá cumprir esta pena integralmente, sem qualquer limite de tempo máximo”.

“O mais importante é mostrar para outras pessoas a necessidade de se precaver antes mesmo que o crime bata na porta da casa delas”, defende.

Grupos buscam unificar trabalho


A importância dos grupos e das campanhas sobre violência e vítimas da impunidade ainda é grande – e não importa quais sejam os segmentos. “E quanto mais grupos, melhor. Mas é preciso haver organização e é por isso que fazendo uma unificação ajuda o trabalho a ter mais direção”. Wilson também reforça as atividades do terceiro setor. “O trabalho das ONGs ainda é um dos mais importantes, porque eles realmente ajudam, buscam lutar. Ao longo do tempo, descobri muitas que fazem um trabalho maravilhoso, e fiquei impressionado com a quantidade delas”.

Um dos exemplos de grupos de proteção à vida que chamam a atenção da população e autoridades é originada da cidade de Belém, no estado do Pará. É o caso da MOVIDA (Movimento pela Vida), onde quase 100 famílias comparecem em todos os tribunais e manifestações com a mesma camiseta e ficam em silêncio.

“Eles vão começar a trabalhar com a gente. [O trabalho conjunto] já foi aprovado pela secretaria de segurança do Estado e até pelo Arcebispo”. São quase 100 famílias unidas no grupo que vão a todos os julgamentos.

Wilson, que é metalúrgico, comentou sobre o papel atual dos sindicatos – especialmente da categoria, que historicamente tem forte representatividade. Assim como o terceiro setor, são agremiações que tem papel forte não só na luta trabalhista, mas no engajamento social com os associados e com a categoria, mesmo não sindicalizada.

“Eles em nenhum momento vieram me procurar para saber como eu estava. Depois de mais de um ano do falecimento da minha filha, eu encontrei o presidente [do sindicato] e ele nem sabia o que tinha acontecido comigo e com a minha família. Isso porque sou sindicalizado. Infelizmente, o sindicato perdeu o melhor deles, que era reunir as pessoas para falar de vários assuntos, não só sobre cobrança de salário ou hora extra. Hoje não se vê um sindicato atuante, e muito mal consegue beneficiar o seu associado”.

O departamento de Imprensa do Sindicato dos Metalúrgicos afirmou que acompanhou o caso, mas que realmente não tinha feito nenhuma manifestação ou nota de solidariedade sobre o caso.

Para ter acesso ao abaixo assinado, basta entrar nos sites http://www.umapaixaopelavida.com.br ou no novo site, ainda em construção http://www.grupoeuvi.com.br

Contexto
Um dos casos mais conhecidos sobre vítimas da impunidade (principalmente com jovens) foi o da estudante Gabriela Prado Maia Ribeiro, de 14 anos, morta por uma bala perdida de um tiroteio entre ladrões e policiais na estação de metrô no bairro da Tijuca, em 2003. Os pais da jovem, Cleyde Maia Prado e Carlos Santiago, criaram o grupo “Gabriela dou da Paz – Diga não à impunidade”. Eles arrecadaram 1 milhão e 200 assinaturas até 2006 para pleitear mudanças sobre condição de benefícios aos condenados a crimes hediondos. Entregue para o até então presidente do Senado, Renan Calheiros, o abaixo assinado perdeu o valor, porque não havia números suficientes de títulos de eleitor.

Direito
O abaixo assinado ainda é um dos movimentos mais importantes para pleitear novos acordos e projetos de lei, na opinião do advogado e professor de Direito Penal da Universidade Católica de Santos, Elias Antonio Jacob. “Tivemos diversos casos em que foi possível mudar artigos de código penal e ele, sem dúvida, é um objeto de democracia”.

Sobre uma das propostas do grupo EUVI, que reflete no cumprimento de, no máximo, 30 anos seguidos, independente da pena estabelecida, Elias explica um fenômeno que justifica a manutenção dessa lei. “Uma delas é que, no Brasil, a expectativa de vida era muito mais baixa. Sendo assim, cumprir 30 anos de prisão significava ficar basicamente a vida inteira em cárcere”. Ele disse que é possível aumentar o tempo de prisão, mas que é totalmente legítimo os benefícios do condenado (tais como regime semiaberto, quando o preso consegue cumprir 2/5 de sua pena sem nenhum tipo de problemas internos). “Não há porque ter essa mudança, ele de qualquer jeito vai cumprir os 30 anos, só muda a forma de regime”.

Diferente desse caso, o advogado alerta: é inconstitucional fazer pedido de redução da maioridade penal. “Não é caso de se alterar o ECA. A própria Constituição Federal não permite o menor de idade de ser imputado ou receber punições maiores. Isso é cláusula pétrea”. O que o advogado explicou é que, quando é caso de cláusula pétrea, significa que é uma lei que não pode sofrer alteração. “Além disso, a Constituição só é alterada quando há uma revolução ou um golpe de Estado”. (NG)

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