Licitações: caminho repleto de armadilhas | Boqnews
Arte: Bruno Yego

Cidades

12 DE DEZEMBRO DE 2014

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Licitações: caminho repleto de armadilhas

Mesmo com leis e fiscalização, empresas e agentes acham brechas para se beneficiar.
Poder Público precisa ter atenção

Por: Nara Assunção
Da Redação

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A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa (…) Assim define o artigo 3 da Lei Nº 8.666, de 1993, que institui regras para licitações e contratos da Administração Pública.

O País, porém, vivencia uma onda de denúncias em diversos setores do Poder Público, envolvendo empresários, políticos e servidores que utilizam as brechas das legislações para benefícios próprios ou mesmo cometem fraudes reais, como no recente caso da Petrobras e no cartel dos Trens e Metrôs de São Paulo. Nos últimos dias, por exemplo, procuradores da República do Paraná que compõem a “força-tarefa” do Ministério Público e atuam nos processos da Operação Lava Jato indicaram já ter elementos para comprovar o crime de fraude em licitações por parte de empresas privadas contra a Petrobras.

Problema que – infelizmente – está presente em processos de licitações por todo o país em menor ou maior escala.  Em Santos, recentemente, chamou atenção o caso dos alimentos adquiridos para o Orquidário, cujo registro de preços publicado no Diário Oficial mostrava valores acima do praticado pelo mercado.

O processo de licitação – realizado por pregão eletrônico – teve apenas uma empresa participante, o que chamou a atenção, pois outras 12 mostraram-se interessadas em participar da disputa no início. Depois de tornada pública, a licitação foi cancelada.

Em outros exemplos analisados pelo Boqnews nas edições do Diário Oficial de Santos percebe-se que os preços publicados em licitações de gêneros alimentícios para diversas secretarias, mesmo nos processos que tiveram mais de uma empresa concorrendo, também estão bem acima do mercado. No pregão eletrônico 17.085/2014, o quilo do açúcar da marca Da Barra saiu por R$ 3,88 aos cofres públicos, por exemplo.

De acordo com o advogado, professor universitário, especialista em licitações e autor de livros do gênero, Reinaldo Moreira, porém, é equivocado fazer a comparação destes valores com os alimentos que estão nas feiras e mercados. “Neste valor estão embutidas todas as especificações requeridas, além do transporte e distribuição. É lógico que se o valor está muito abusivo a prefeitura não precisa fazer esta compra e poderá abrir uma nova tomada de preços ou pregão”, explica.

Reinaldo Moreira

“A lei permite isto (empresas mudarem objeto social para participar de licitações). Há um ser humano lidando com isso, mas não há só falha humana, pois existe também o aproveitador. O sistema é vil”, afirma o professor Reinaldo Moreira. Foto: Nara Assunção

No caso da licitação para o Orquidário foi o que aconteceu, como explica o secretário de Gestão, Fábio Ferraz. O fato de ter apenas uma empresa na disputa acaba não gerando a concorrência necessária para ter os valores menores e prejudicando o Poder Público.

Outro caso envolve uma empresa sediada hoje em Bertioga (era em Praia Grande), cuja atividade principal é o comércio de móveis. Porém, graças a uma simples alteração no objeto social – descrição sobre os ramos de atuação – ela conseguiu vencer licitações para a venda de água e leite para a Prefeitura de Santos e CET. Bastou os responsáveis inserirem a frase: Comércio Varejista de outros artigos de uso pessoal e doméstico não especificados anteriormente.

Este caso, segundo o especialista, é um dos problemas que estão presentes nas licitações, mas não representam irregularidades. “A questão não está nos pregões nem nas prefeituras, mas no cadastro que permite às empresas apresentarem um leque diverso de atividades”. Cadastro, aliás, junto à Receita Federal.

Cabe à prefeitura – já que não pode inabilitar – fazer o papel de fiscal, como também está previsto na Lei 10.520, que regula a modalidade de licitação denominada pregão. “Por mais que pareça estranho, se ela entregar tudo nos prazos e nas especificações não há o que fazer (…) Empresas, porém, que possuem atividades tão diversas com o tempo não conseguem se estabelecer e acabam apresentando problemas com as prefeituras”, ressalta Ferraz.

Fábio ferraz

“Para nós, a modalidade de licitação por pregão eletrônico é a melhor opção. Conseguimos atrair empresas do país inteiro e com isso diminuímos o custo”, destaca Fábio Ferraz, secretário de Gestão de Santos. Foto: Nara Assunção

Como funciona – O Poder Público pode realizar contratações por meio de licitação em quatro formatos: o pregão eletrônico, concorrência, convite e tomada de preços. Na Prefeitura de Santos, segundo o secretário, o pregão é a modalidade mais utilizada para contratação de serviços e a compra de materiais (vide quadro).

“Com ele, economizamos muito se tomarmos como o base o preço inicial, pois a concorrência é maior”, explica. Durante o pregão eletrônico, um pregoeiro da Prefeitura acompanha, por meio de um sistema contratado pelo Banco do Brasil, a sequência de lances dados pelas empresas via chat. Ganha quem oferecer o menor preço.

 

 

QUADRO PROCEDIMENTOS LICITATORIOSc

Empresa problemática

A líder em notificações por conta do atraso em obras públicas em Santos é a Muriaé Transportes e Serviços Ltda. Ela soma 12 autuações feitas pela Secretaria de Serviços Públicos (Seserp) somente neste ano.

Ela também possui um grande volume de obras com a Administração Municipal. Em outubro de 2013, venceu quatro dos sete lotes do Pregão Eletrônico que visava à prestação de serviços de manutenção das Unidades Municipais de Ensino de Santos. São 56 escolas e 287 intervenções, que somam mais de R$ 7,2 milhões. Além disso, concorreu – e venceu – pregões com reformas menores em unidades de Saúde e da Secretaria de Assistência Social.

De acordo com o secretário da Seserp, Carlos Alberto Russo, a Muriaé é realmente a “campeã” nas notificações. “Eles têm o maior potencial de serviço. Temos técnicos e fiscais de obras acompanhando toda a execução dos serviços. Se acontece algum atraso ou problema, isso é relatado e, na sequência, notificamos a empresa”, salientou o secretário, lembrando que ela não foi a única a ser notificada durante este ano.

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Placa de obra, sob responsabilidade da Muriaé, em à frente da UBS do Campo Grande mostra que as ações começaram em junho deste ano e terminariam em outubro: dois meses de atraso. Foto: Nando Santos

“Existem questões que podem comprometer o andamento das obras, como a chuva – algo que não ocorreu este ano – ou o aparecimento de alguma outra questão enquanto o serviço é realizado”, diz. No caso de uma intervenção pública, se algum problema acontece, a empresa deve enviar uma justificativa à Prefeitura para ser inserido no escopo da obra.

Problemas – A Muriaé, com sede na Vila Formosa, na Capital, tem enfrentado uma série de problemas com administrações públicas. Ao analisar o “nome-fantasia”, não há uma referência direta aos serviços de engenharia junto ao cadastro de pessoa jurídica na Receita Federal. Porém, em uma alteração no contrato social em 2009, ela inseriu o item no meio de atividades como transporte de passageiros, serviço de reboque, de cargas e mudanças, que são suas especialidades, conforme o documento.

O especialista em Direito Administrativo e professor Reinaldo Moreira critica a ação. De acordo com ele, os sistemas utilizados nos processos licitatórios, principalmente do Governo Federal, acabam deixando brechas. “Ambos admitem isso: que se faça um contrato social que a empresa possa vender de agulha a avião”.

De acordo com o artigo 30 da Lei das Licitações (Lei 8.666), basta a empresa interessada apresentar uma declaração de que tem engenheiro, pedreiro e eletricista para resolver o impasse. “E esse atestado pode ser de empresa pública ou particular”.

A Muriaé foi considerada inidônea (proibida de participar de licitações) junto à CET-SP em maio de 2013, após o consórcio chamado Força & União, em que participava junto com a Martha’s Serviços Gerais, apresentar problemas para o serviço de reboque na Capital. Ela não poderá ser contratada até 2018 pela companhia de trânsito paulistana.  Coincidência ou não, sua parceira esteve envolvida nos escândalos de roubos de peças de veículos que iam para os pátios públicos de Santos, em 2011, conforme contrato mantido com a CET Santos. A Reportagem solicitou ao órgão paulistano informações sobre o caso, porém não houve resposta.

Além disso, a empresa teve um contrato para serviços de guincho junto à Prefeitura do Rio de Janeiro cancelado após apresentar problemas. Em São Sebastião, o convênio para a pavimentação de vias também foi rompido após ações do Tribunal de Contas do Estado.

A empresa não possui site nem redes sociais. Dos sete números telefônicos encontrados em seu nome, em cinco eles inexistem e em dois são residenciais. “Como uma empresa, que é transportadora, presta serviços de engenharia?”, questiona Moreira. “Mas quem está errado: a Prefeitura, que na hora que quer contratar uma empresa recebe uma proposta,  ou o sistema, que admite uma torre de babel?”, continua. “Não é falha da Prefeitura, nem da Lei de Licitações, mas do sistema que permite às empresas ter 1001 atividades”. A empresa foi procurada em várias ocasiões, mas não foi localizada.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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